terça-feira, 20 de agosto de 2019

CHICO VELUDO – UM VISIONÁRIO.

Vencemos. Este grito saído das gargantas entaladas de uma multidão postada à frente da casa de Francisco Lopes Veludo, mais conhecido como Chico Veludo, em Uberaba, era o atestado de sua vitória na sua aguerrida campanha em que, pela segunda vez, disputava os votos para a eleição de Prefeito Municipal naquele distante ano de 1966. Chico conseguiu exatos 7.854 votos, mil a mais do que seu adversário mais próximo.

Chico, em sua primeira eleição para prefeito em 1962, (PL-PTB) havia conseguido 6.160 votos, contra 8.376 de João Guido (UDN-PR) e 9061 do vencedor do pleito, Artur de Melo Teixeira (PSD-PSP-PSB).

Francisco Lopes Veludo, Chico Veludo. Foto: Arquivo Público de Uberaba.

Nesta eleição de 1966, sua segunda tentativa, Chico Veludo concorreu sozinho em seu partido (MDB) contra três candidatos abrigados nas sublegendas 1, 2 e 3 da ARENA - José Tomás da Silva Sobrinho (5.198), Helvécio Moreira de Almeida, (4.282) e João Guido, (6.830), que totalizaram 16.310 votos.

Consideradas as sublegendas como coligação da ARENA, o TSE declara João Guido o vencedor do pleito. Num universo de 24.164 eleitores, o MDB ficou com cerca de 1/3 dos votos contra 2/3 da ARENA.

Apesar da grande frustração, Chico Veludo não desistiu. Nas eleições de 1970, pela terceira vez, mesmo concorrendo contra três candidatos, obteve, através do PDT, 25,43% dos votos, ficando à frente de Mário Palmério e Artur Teixeira. O vencedor deste pleito foi Arnaldo Rosa Prata com 44,13% dos votos válidos.

Chico Veludo se lançou na Política em 1959. Segundo Paulo Silveira, seu grande amigo, com apenas 10 dias de campanha eleitoral se elegeu vereador pelo PTB, com a maior votação, numa época que não existia remuneração para o cargo. Em 1960 assumiu a presidência da Câmara Municipal.

Neste mesmo período se elegeu Prefeito de Uberaba o seu amigo e companheiro de partido, Jorge Furtado (1959-1962) que lhe entregou a

Superintendência do Departamento de Águas, onde, sem remuneração, prestou relevantes serviços na ampliação do sistema de distribuição.

Política foi apenas uma das facetas deste grande empresário uberabense com quem tive a satisfação de conviver até seu falecimento ocorrido em 1971, aos 51 anos de idade.

Francisco Lopes Veludo, nascido em 1920, foi um homem integro e severo, nas palavras de seu filho Roberto Veludo, que perdeu seu pai com apenas 13 anos de idade.

Seus múltiplos negócios, segundo relatos de seu sócio Alcides Caetano, se estendiam para o setor de transportes (Líder e Viação Asa Branca), distribuição de Veículos Mercedes-Benz, (Regina Veículos), loja de autopeças (MotoRauto) e recuperação de motores ( Retifica Boa Vista).

Até na área cientifica, Chico Veludo deu sua grande contribuição. Pelo relato de Dr. Celso Salgado, foi na Retificadora que se processou, sob a orientação de Dr. Adib Jatene, a primeira máquina de circulação extracorpórea, (coração artificial) que propicia a realização de cirurgia cardíaca, parando o coração, mas mantendo uma circulação sanguínea paralela, que se tornou muito importante na década 1960.

Era sonho de Chico Veludo implantar uma Companhia de Águas. Mas somente no governo de seu adversário político, Artur de Melo Teixeira em seu segundo mandato – (1963-1966) - é que este sonho se transformou em realidade.

Em janeiro de 1966, Artur Teixeira tomou a iniciativa de criar uma Companhia Mista para administrar o sistema de distribuição de águas, enviando para a Câmara Municipal o projeto de Lei N. 1448 que foi aprovado em 7 de junho de 1966.

Nasceu assim oficialmente a CODAU, e sua primeira Diretoria - Presidente, Léo Derenusson – Diretor Administrativo, Gilberto de Andrade Rezende e, Diretor Financeiro, Padre Antônio Fialho.

O responsável pelo Departamento de Águas, Geraldo Barbosa, foi indicado para o cargo de Diretor Técnico.

Em 1967, já no governo de João Guido, Mário Pousa assumiu a presidência da CODAU e Gilberto de Andrade Rezende, a presidência do Conselho Fiscal.

Em 1988, governo de Marcos Montes, a CODAU volta a ser autarquia passando a se chamar de o CODAU – Centro Operacional de Desenvolvimento e Saneamento de Uberaba.

Em 2005, governo Anderson Adauto, o CODAU, sob a presidência de José Luis Alves, em homenagem ao grande guerreiro, designa o nome de “FRANCISCO LOPES VELUDO” para a primeira ETE - Estação de Tratamento de Esgoto. É também nome de rua no bairro Cássio Resende e da sala da Presidência da Câmara Municipal.


Gilberto de Andrade Rezende. Ex-Presidente da ACIU e do CIGRA e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro.

Fontes – Paulo Silveira – Alcides Caetano – Roberto Veludo.

P.S. Os dados eleitorais são de autoria de Tião Silva.







Cidade de Uberaba


A IMPONENTE ESTAÇÃO DE JAGUARA

Em março de 1888 a locomotiva a vapor "Minas Gerais" da Companhia Mogiana cruzou o Rio Grande e chegou ao Triângulo Mineiro. Menos de um quilômetro depois da ponte, ainda próximo às barrancas do rio, havia sido erguida a estação de Jaguara. Era a segunda estação da empresa a ser aberta na província de Minas Gerais: a pioneira havia sido Caldas (mais tarde renomeada Poços de Caldas), inaugurada em outubro de 1886. Formalmente, a estação Jaguara marcava o final da “linha do Rio Grande” da companhia. Dali em diante, os trilhos pertenciam à “linha do Catalão”. A Mogiana tinha a concessão do governo para estender sua ferrovia até essa cidade no sul de Goiás, mas acabou encerrando sua linha em Araguari, onde chegou em 1896.

     A estação de Jaguara em registro sem data, já no período final das operações, início da década de 1970. Foto de coleção particular.


A estação de Jaguara em registro sem data, já no período final das operações, início da década
de 1970. Foto de coleção particular.


Reprodução de trechos do jornal"Gazeta de Uberaba" do dia 10 de março de 1888.


Reprodução de trecho do jornal "A Província de São Paulo"

Reprodução de trecho da "Revista Ferroviária" de abril de 1888.


  Foto recente de satélite do Google Earth, vendo-se à esquerda a ponte de Jaguara sobre o Rio Grande e à direita as construções remanescentes da estação de mesmo nome.

Localizada em um local deserto, sem nenhum povoado ou cidade por perto, as instalações da estação de Jaguara impressionam pela seu tamanho e imponência. O prédio principal é mais amplo e mais bonito do que o da estação que foi erguida no ano seguinte em Uberaba (que, na época, era maior cidade de toda a região). Os terrenos para construção dos pátios de manobra, armazéns e uma vila ferroviária foram cedidos pelo Coronel Manoel Pereira Cassiano, residente em Uberaba. Apesar do estado precário de conservação, alguns desses prédios resistem até hoje ao abandono.

Há uma explicação para esse aparente exagero. Jaguara não era somente uma estação de trem. A Cia. Mogiana havia conseguido do governo também a concessão para explorar a navegação no Rio Grande. A 300 metros do prédio da estação, já abaixo das pedras e corredeiras da região da ponte, a empresa construiu um atracadouro de barcos. De lá, descendo o rio, era possível navegar até os portos fluviais de Boca Grande, Santa Rita do Paraíso (Igarapava), Ponte Alta (nas proximidades de Delta) e Espinha (um pouco abaixo do atual Distrito Industrial 3 de Uberaba). A Mogiana pretendia utilizar esse trecho do rio para recolher e distribuir as mercadorias transportadas pelos seus trens em Jaguara. Entre elas, sacas de sal grosso para os criadores de gado da região.

Segundo documentos da época, foram trazidos para o Rio Grande ao menos dois pequenos barcos e vapor e batelões para realizar esse trabalho. Mas a iniciativa não deu resultado. Antes da construção das represas, o Rio Grande tinha diversas corredeiras e águas bastante agitadas, em especial nas épocas de cheia. Um dos barcos naufragou poucos meses depois do início das operações e a Mogiana desistiu do projeto. Uma curiosidade é que, por algumas décadas, a estação teria se tornado um ponto de embarque para peixes pescados no Rio Grande.

A interrupção da ferrovia da Mogiana no início de 1970 pelo lago da represa de Jaguara selou o destino da estação. Transformado em um ramal da linha que alcançava Uberaba por Igarapava, o trecho entrou em rápida decadência. Um acidente ferroviário com dezenas de vítimas ocorrido no final do mesmo ano pôs fim ao tráfego de passageiros. O transporte de cargas encerrou-se por volta de 1975, e a linha foi desativada.

(André Borges Lopes)


Há mais informações sobre a estação no site Estações Ferroviárias do Brasil

Os créditos das imagens estão nas legendas.


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Em 1971, a antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro foi incorporada à empresa estatal paulista Fepasa. Na década de 1990, todas as linhas de longo curso remanescentes da Fepasa foram transferidas para a Rede Ferroviária Federal e, em seguida, divididas em lotes e privatizadas. O Arquivo Público do Estado de São Paulo, conseguiu que os acervos históricos das antigas empresas ferroviárias paulistas ficassem sob sua guarda. Nesse acervo, encontrei algumas fotos originais das linhas de trem da Cia Mogiana no Triângulo Mineiro.



História, causos e memória: acesse www.uberabaemfotos.com.br

Cidade de Uberaba

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

WAGNER DO NASCIMENTO - A CULTURA PRESTIGIADA

Fuscão Preto – Assim que Wagner do Nascimento, então vice-prefeito, se candidatou para prefeito nas eleições de 1982 recebeu esse apelido, que pegou como fogo em rastilho de pólvora.

Até 1982, Wagner pertencia aos quadros do PDS. Desentendido com Silvério, que lhe deu este apelido, e não encontrado espaço no Partido para sua candidatura a prefeito, embora fosse lhe oferecido a vice pelos outros candidatos das sublegendas do PDS, Wagner, na firme convicção de que havia chegado sua hora, se filiou ao PMDB. Afinal, já havia sido vice de Arnaldo Rosa Prata e Silvério.

Disputando com Renê Barsan e Arnaldo Rosa Prata na sublegenda do PMDB e com Hugo Rodrigues da Cunha e João Junqueira do PDS, foi o vencedor com cerca de trinta mil votos (37,7%), mas, somando os votos de seus companheiros de sublegenda (33,73%), o PMDB conseguiu mais de 70% dos votos. Wagner contou com o decisivo apoio de seu maior cabo eleitoral, sua esposa Isabel.


Eng.Wagner do Nascimento. Foto: divulgação.

Wagner, em seu governo, se destacou em quatro setores: Desenvolvimento, Saúde, Educação e Cultura. Na área de Desenvolvimento, criou a Secretaria de Indústria e Comércio, entregando-a para Anderson Adauto, criando as bases para a atração das indústrias nacionais para serem implantadas em Uberaba, aproveitando, assim, o trabalho criado pela Aciu em seu Projeto Indústria. Não se pode esquecer o empenho de Wagner para a implantação da empresa Du Pont.

A importância dessa secretaria pode se verificar através dos fatos: o secretário Anderson se tornou prefeito em 2005. E quando Hugo estava no comando, na segunda gestão, seu secretário de Indústria e Comércio, Luiz Neto, veio a ser eleito prefeito em 1992.

Na área de Saúde, sob a responsabilidade de Benito Meneguelo, foi criado o serviço de atendimento psicológico. Nas áreas de Educação e Cultura, a responsabilidade era de seu secretário da Educação, José Thomas da Silva Sobrinho, escolha que não agradou ao PMDB por ele pertencer aos quadros do PDS.

Houve preocupação da área de Educação em oferecer oportunidade de ensino para todo cidadão uberabense. Naquela gestão é que foi criada a Escola Mirim de Trânsito, o CIEM, o CESU (Centro de Estudos do Ensino Superior), com mais de mil alunos, culminando com a implantação do Estatuto do Magistério Municipal, que efetivou todos os professores e criou o cargo de psicólogo escolar.

É ainda de sua gestão a criação do PROJETO FUMESU, cuja intenção era suprir Uberaba de faculdades não atendidas pela iniciativa privada, com a prefeitura arcando com os investimentos e custeios e os alunos com o custo do professorado.

Na área cultural, o primeiro passo dado por Silvério Cartafina na criação da Fundação Cultural em 1982 ensejou ao governo Wagner a partir de 1983 a criar: Circo do Povo, Museu Sacro (Igreja Santa Rita), Museu Paleontológico em Peirópolis, Museu Histórico, Arquivo Público, Comphau, Biblioteca Infantil e Biblioteca Ambulante Rural. Nesse período, também foram criados os projetos Folklândia e o PRODEC.

Em 1996, Wagner voltou a disputar a prefeitura com Marcos Montes, no entanto não foi feliz, pois repetiu o mesmo resultado de 1982, cerca de trinta mil votos, contra oitenta e sete mil de MM.

Wagner nasceu em 27 de julho de 1936. Formou-se em engenharia em 1964 pela FIUBE, hoje UNIUBE, da qual foi professor. Foi engenheiro da CDI (Companhia dos Distritos Industriais) e colaborou intensamente com as implantações dos DI I, II e III.

Sua trajetória política se iniciou em 1966 quando foi eleito vereador. De 1970 a 1972 e de 1977 a 1982, vice-prefeito. De 1983 a 1988, prefeito. De 1991 a 1999, por duas vezes se elegeu para deputado federal. Foi o primeiro político negro a assumir a prefeitura de uma cidade brasileira.
Teve alguns percalços com a Justiça em razões de alguns processos pelos quais foi condenado. Segundo seus apoiadores, tudo decorreu por questões de perseguição política.

Wagner faleceu em 06 de setembro de 2007, aos 71 anos, deixando viúva Isabel do Nascimento, e os quatro filhos, entre eles Wagner Jr. (que foi candidato a prefeito) e Werner. Sua família instituiu em maio de 2013 a Comenda Wagner do Nascimento, para perpetuar seu nome e sua obra.

Fonte – Jornal da Manhã

Gilberto de Andrade Rezende – Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. Ex-presidente e conselheiro da ACIU e do CIGRA. Presidente do PDS em 1982.


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Cidade de Uberaba


TRAGÉDIA NO TREM DE CONQUISTA

A história trágica de um acidente que, em 1970, marcou a vida de muitas famílias às vésperas das festas de Ano Novo. Eu era criança ainda mas lembro que meu falecido pai, médico legista em Uberaba, passou a noite e a madrugada daquele fatídico 26 de dezembro liberando os corpos e tentando consolar as famílias da vítimas.

Ao que eu saiba, as causas e as responsabilidades desse acidente nunca foram completamente esclarecidas, ao menos para a população. Como os mortos e feridos eram quase todos lavradores humildes e seus familiares, tampouco houve grande empenho para punir os responsáveis.

Em anexo, um mapa com o traçado da velha linha marcando o lugar aproximado onde a locomotiva estancou e o local do acidente. Não consegui descobri qual foi a exatamente a locomotiva envolvida (os jornais da época a denominam como M.U.-1), mas era provavelmente uma das diesel-elétricas GE Cooper Bessemer 64T de 600 HP compradas em 1952, como essa da foto, que hoje está no acervo da ABPF da Campinas.

Final de ano é uma época associada a festas e comemorações. Quando acontece algum infortúnio nesse período, a tragédia fica marcada na memória das pessoas. Foi o que ocorreu entre o Natal e o Ano Novo de 1970, quando um grave acidente ferroviário marcou para sempre as vidas de muitas famílias uberabenses.

Para entendê-lo, é preciso falar da linha de trem da Cia Mogiana, que chegou em Uberaba no século XIX. Essa ferrovia saía de Ribeirão Preto, passava pela cidade de Franca e descia para o o Rio Grande na altura de Rifaina. Num trecho estreito, cruzava o rio em uma ponte que sobrevive até hoje, em ruínas, abaixo da barragem da hidrelétrica. Já em território mineiro, havia a estação de Jaguara, com dois grandes armazéns. Por alguns anos, a Mogiana chegou a ter ali um porto fluvial e dois barcos a vapor, que recolhiam produtos para a ferrovia.

A linha seguia então para o oeste, acompanhando o rio até a estação do Cipó, de onde partia uma linha de bondes elétricos rumo a Sacramento. Dali o trem subia as encostas do vale rumo a Conquista, de onde vinha para Uberaba passando antes por Guaxima e Peirópolis – entre outras estações no trajeto. Esse trecho montanhoso sempre foi difícil e demorado: os trens levavam cerca de três horas para cumprir todo o percurso.

A linha de Jaguara perdeu importância em 1915, quando foi aberto o Ramal de Igarapava – ligação mais rápida entre Ribeirão Preto e o Triângulo. A partir de 1930, a crise financeira da Cia. Mogiana agravou a decadência. Mas o tiro de misericórdia foi dado em 1970: o lago da hidrelétrica inundou Rifaina e alguns quilômetros da ferrovia. A Mogiana não se interessou em fazer um novo trajeto e, a partir de então, restou no lado paulista o “Ramal de Franca” e no lado mineiro o “Ramal de Jaguara”.

O mapa da antiga linha de Jaguara da Cia Mogiana.

A locomotiva marca o lugar aproximado da parada do trem, no alto da subida. A estrela é o local do acidente, ao lado do Ribeirão dos Dourados.

  Locomotiva GE Cooper Bessemer 64T modelo 1952, nas cores da Cia Mogiana, restaurada pela ABPF de Campinas. Foto: Dominique Torquato/AAN.

Com pouco movimento, o ramal de Jaguara durou ainda alguns anos transportando cargas e passageiros em trens mistos. Atendiam as populações dos povoados que haviam junto as estações e algumas empresas da região. Muitos usuários se queixavam dos trens velhos, da demora e do descumprimento dos horários. Mas era uma alternativa de transporte barato, numa época em que as estradas não eram asfaltadas e ficavam impraticáveis com as chuvas.

Na manhã do sábado, 26 de dezembro de 1970, o maquinista João Peralta se surpreendeu quando encontrou 100 pessoas aguardando o trem que iria de Uberaba a Jaguara. Normalmente, havia poucos passageiros. Dois casamentos a serem realizados naquele dia – um em Guaxima e outro em Conquista – explicavam a grande procura. Junto no trem, seguiriam dois vagões carregando 1200 sacas de cimento destinadas às obras da hidrelétrica de Jaguara. Peralta e seu ajudante, Carmo Reis Terra, acionaram uma antiga locomotiva diesel-elétrica e deram início a viagem.

Adiante da estação Eng. Lisboa, a 50 km de Uberaba, a ferrovia começava uma longa subida de três quilômetros para transpor a Serrinha dos Dourados. Chovia e a velha locomotiva arrastou-se com dificuldade morro acima até que, no alto da subida, o motor parou de funcionar. Alguns minutos depois, Peralta desistiu de tentar religá-la e pediu a Carmo que voltasse a pé até a estação para pedir socorro. Com o calor, muitos passageiros desceram dos carros que estavam no fim da composição. Foi quando se deu a fatalidade.

Uma falha nos freios e o trem começou a voltar de ré. O maquinista acionou o freio de emergência, que também não funcionou. Pressentindo o perigo, algumas pessoas saltaram, mas cerca de 60 passageiros continuaram nos dois carros que desceram descontrolados ganhando velocidade morro abaixo. No fim da descida, a mais de 100 km/h, o trem não conseguiu fazer uma curva e precipitou-se na ribanceira ao lado do Ribeirão dos Dourados. Sobre os carros dos passageiros desabaram 60 toneladas de cimento e a locomotiva desgovernada.

No saldo final da tragédia, mais de 20 mortos e cerca de 30 feridos graves. Foi o maior acidente da história da Cia Mogiana, e acabou de vez com a confiança dos usuários na linha. Menos de cinco anos depois, o ramal seria desativado também para cargas.


(André Borges Lopes)






Cidade de Uberaba



Músicos não morrem! Viram notas musicais

Sempre ouvi dizer que a linguagem universal é a matemática. Depois de algumas décadas de vida, ouso dizer que a linguagem universal é a música. Por favor, eu disse Música! Não confundam com “dançar na boquinha da garrafa”. Ao tecer esta diferença de interpretação, esclareço: a matemática é fria e calculista. Absoluta! Definitiva! Já a música nos leva a sentimentos que fogem à razão. A música não impõe. Ela permite ao ouvinte a exacerbação da imaginação e, por isso, deixa livre o coração. Busca o mais alto da emoção. 

Laura Novais e seu pai, odontólogo e músico André Novais. Foto: Acervo do Jornal da Manhã.

Por que estou refletindo sobre isso? Deixou a vida física nosso amado amigo e colega André Luiz Borges Novais (foto). Músico e Dentista. Professor de grande carisma e um apaixonado pela vida. Homem de fino trato. Um mestre na prática do amar ao próximo. Como diria o imperador romano: “veni, vidi e vici” ou “vim, vi e venci”. Pois é isso mesmo. André veio para estar entre nós. Nos mostrou seu desapego às coisas. Muitas vezes seus amigos usavam a frase pela qual descrevia bem o espírito nobre de André, qual seja: “O André é um sujeito que conquista e distribui”. O que poderia usar como se dele fosse não retinha para si. Tirava dele e repassava.

E agora meu querido amigo André? O palco está vazio? As luzes se apagaram? É certo que não. Um grande show está acontecendo no céu e você é a estrela. Por isso reafirmo que músicos não morrem! Viram notas musicais. Tenho certeza que você estará sempre entre nós. Sua vibração virá em melodiosos acordes que todos nós, os seus privilegiados amigos, reconheceremos imediatamente. 

Vá meu querido amigo. Obrigado por tudo! Você é uma grande lição de amizade. Que tenhamos a humildade para reconhecer, aprender e praticar.

Texto escrito pelo professor Maurício Ferreira - Presidente da ABO – Uberaba.







Cidade de Uberaba



CENA DE SANGUE NUM CABARET DAS MERCÊS

A edição de domingo, dia 2 de agosto de 1936, do jornal “Diário Carioca” do Rio de Janeiro destacava na capa a cena escandalosa de um crime passional: “A Tiros e Machadadas Abateu as Rivais!”, dizia a manchete em letras garrafais. Para, em seguida, completar, “Trágica ocorrência em um cabaret de Uberaba. O marido infiel provocou a cena de sangue e desapareceu”. A ilustrar a notícia, um desenho recriando o momento fatal: uma jovem, vestindo um pesado casaco, dispara seu revólver contra um homem e duas mulheres sentados em uma mesa de bar, coberta por garrafas vazias. Na outra mão da assassina, uma pesada machadinha.

A matéria não é assinada. O jornal cita como fonte um anônimo correspondente em nossa cidade. O qual narra a história com dedicação de jornalista literário adiante do seu tempo. Segundo ele “as mulheres já desistiram de pertencer ao sexo fraco (...) ainda ontem, entre a dolência de um tango e a estridência de um fox, uma representante do sexo feminino virou em ‘frege’ um cabaret do bairro alto das Mercês, só pelo simples fato de estar seu esposo querido divertindo-se ‘inocentemente’ com algumas bailarinas daquela casa de boemia”. E contava em detalhes o enredo: o marido José Amâncio farreava em um “dancing” enquanto sua mulher Maria Amâncio passava a noite fria em vigília. Ensandecida pelo desrespeito do amado, a esposa tomou um carro e foi à casa de diversões. Viu no fundo do salão – em companhia das bailarinas Latif Facur e outra de apelido Mulata – o marido José, que “entregava-se a uma orgia desenfreada”.

Recorte do jornal “Diário Carioca" - Rio de janeiro, domingo, 2 de agosto de 1936.

"Diário Carioca" com a notícia do assassinato das mulheres no fantasioso Cabaret.
Maria, ensandecida pelo ódio, dirigiu-se à mesa. Tirou das vestes um revólver “fazendo-o vomitar toda sua carga contra as duas mulheres”. Em seguida, avançou com a machadinha sobre José, “que amedrontado foge, abandonando o campo de luta”. A esposa, então, despejou sua ira sobre as rivais, mutilando os cadáveres a machadadas. Para, em seguida, entregar-se aos guardas que acorreram à cena do crime. Uma história pronta para se tornar letra da canção “Ronda”, que o paulistano Paulo Vanzolini só iria compor em 1953. A partir do “Diário Carioca” a notícia foi reproduzida em jornais de todo o Brasil. Bárbaro desfecho da vingança de uma mulher honesta ofendida.

Vamos então em busca dos mesmos fatos nos arquivos do saudoso “Lavoura e Comércio”. E descobrimos que, ao menos na versão do sóbrio vespertino uberabense, as coisas não correram bem assim. A edição de sábado, 1º de agosto, traz na capa a notícia do crime, “A obra dementada do ciúme”, que teria acontecido à luz do dia, e não de madrugada. O marido infiel não era José Amâncio, mas sim seu irmão Benedito – de quem José era sócio em um comércio na praça Dom Eduardo, esquina com a Rua Cassu. Já a esposa traída, Maria Cristina de Souza, “possuidora de temperamento exageradamente emotivo” e de “um lar feliz” – ao menos no entender dos redatores – “enveredou pelos caminhos tortuosos do crime, esquecida de que a sua maior e única glória é a mansuetude, a permanência devotada dentro do lar”.

Descobre-se ainda que a suposta “bailarina” Latif Palis Facur seria, na verdade, uma viúva – residente na Rua Barão de Ponte Alta e mãe de duas meninas – que, há anos, mantinha um caso amoroso com Benedito. Num tempo de dificuldade para os amores clandestinos, a dupla encontrava guarida para seus encontros furtivos na residência de outra viúva: a costureira Francisca Teixeira de Carvalho, de apelido “Mulata”, dona de uma casinha modesta na rua 15 de Junho, no alto das Mercês. Não se sabe se alguém contou ou se Maria Cristina descobriu por conta própria as travessuras do esposo. O fato é que, no início da tarde de quinta-feira, 30 de julho, Maria viu Latif Facur passando demoradamente defronte à loja da praça. Em seguida, o marido saiu, alegando que ia visitar um amigo doente.

Com sede de vingança e armada com um revolver, Maria saiu atrás. Perdeu Benedito de vista perto do campo do Uberaba Esporte mas, já conhecedora de seus segredos, dirigiu-se à alcova da rua 15 de Julho. Lá chegando, não perguntou nem discutiu: matou com três tiros a dona da casa que lhe abrira a porta. Latif, que estava acompanhada por uma das filhas, tentou refugiar-se na cozinha, mas teve igual sorte. Não encontrando o marido infiel, Maria fugiu da cena do crime e foi se esconder em uma fazenda, entregando-se à polícia alguns dias depois. No jornal uberabense, sequer é mencionada a tal machadinha. Para os dias de hoje, pouco mais que um crime banal, em cenário modesto. Que transformou-se em luxuoso enredo de samba-canção na imprensa carioca, por obra e graça de um redator criativo.


(André Borges Lopes)

domingo, 18 de agosto de 2019

A PRIMEIRA PONTE FERROVIÁRIA DO TRIÂNGULO MINEIRO

Quase todo mundo em Uberaba conhece a velha ponte metálica sobre o Rio Grande que liga a cidade de Delta a Igarapava. Ela foi, por décadas, uma ponte rodoferroviária: por ali passavam os trens da Cia Mogiana (mais tarde Fepasa) entre 1915 e 1977, mas também os carros, caminhões e ônibus da BR-050. Até 2001, quando foi inaugurada uma ponte nova na rodovia.

     Trem de passageiros da Cia Mogiana cruzando o Rio Grande sobre a ponte de Jaguara. Foto sem data, do acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Bem menos gente sabe da existência uma outra ponte ferroviária, quase trinta anos mais antiga, que atravessa o Rio Grande em Jaguara (num trecho coberto de pedras, um pouco abaixo da barragem da usina hidroelétrica de mesmo nome). Inaugurada em maio de 1888, ainda no tempo do Império, foi a primeira ligação entre o norte da então “Província de São Paulo” com o Triângulo Mineiro. Mais estreita que a estrutura de Igarapava, só dava passagem a trens ou pedestres. Cruzando essa ponte, chegou em Minas Gerais a primeira linha de trens da Cia Mogiana, que vinha de Ribeirão Preto por Batatais, Franca e Rifaina. Depois de cruzar o rio, a ferrovia acompanhava a baixada do vale até as proximidades de Sacramento, cruzava a cidade de Conquista e chegava a Uberaba passando pela estação de Peirópolis (na época chamada "Paineiras").

     Detalhe de um mapa do Ministério da Viação e Obras Públicas mostrando as ferrovias paulistas em dezembro de 1913. É possivel ver o traçado das duas linhas da Cia Mogiana que chegavam a Uberaba: a mais antiga por Jaguara e a nova (ainda em construção) por Igarapava.

Com a inauguração (em outubro de 1915) da variante de Igarapava, mais curta e moderna, a velha linha férrea de Jaguara foi perdendo movimento e importância. Mas, nas revoluções de 1930 e 1932, as duas pontes foram palco de combates entre tropas mineiras e paulistas. Em meados dos anos 1960, o lago da represa de Jaguara inundou a antiga cidade de Rifaina e interrompeu alguns quilômetros da linha no lado paulista.

      Cartão Postal da Ponte de Jaguara da Cia Mogiana no início do Seculo XX. Foto dos arquivos da Agência Turismo Rifaina (www.turismorifaina.com.br)

A Mogiana não se interessou em refazer a ferrovia em novo traçado, e desativou o tráfego na ponte. O trecho Uberaba-Jaguara foi transformado em um ramal – que ainda operou precariamente por alguns anos. Hoje, 131 anos depois de aberta, a velha ponte de metal ainda segue de pé, embora em ruínas.

     A ponte em ruínas, em foto recente do Google Earth. Ao fundo, a barragem da usina hidroelétrica de Jaguara.

Os créditos das imagens estão nas legendas das fotos.

(André Borges Lopes)






Cidade de Uberaba


quinta-feira, 15 de agosto de 2019

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu

Visite o Museu do Zebu em Uberaba no Parque Fernando Costa e conheça parte da saga da trajetória da pecuária brasileira!


100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.
100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.

100 anos ABCZ na 36ª Mostra do Museu do Zebu - Foto: Bruna Marinho.






Cidade de Uberaba


quarta-feira, 14 de agosto de 2019

CONSTRUTORES DE PONTES

Imagens resgatadas dos arquivos da Companhia Mogiana.


A primeira é bastante conhecida: mostra as obras da ponte rodoferroviária sobre o Rio Grande, ligando Igarapava (SP) e Delta (MG), na época ainda pertencente ao município de Uberaba.

Nessa versão em alta resolução é possível ver alguns detalhes do processo de construção e, principalmente, os destemidos trabalhadores que erguiam as estruturas, sem qualquer preocupação com a segurança individual – algo impensável nos dias de hoje. A legenda original nos revela a data (20 de abril de 1915) e o também nome do fotógrafo: O. Pasetto.

Construção da ponte rodoferroviária da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro entre Igarapava (SP) e  Delta (MG) em 20/04/1915. Crédito: O. Pasetto./ acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo

  Detalhe da construção da ponte rodoferroviária da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro entre Igarapava (SP) e Delta (MG) em 20/04/1915.

   Construção da ponte ferroviária da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro sobre o Rio Uberaba no trecho entre entre Uberaba e Uberlândia (MG), circa 1894.

 Detalhe da construção da ponte ferroviária da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro sobre o Rio Uberaba no trecho entre entre Uberaba e Uberlândia (MG), circa 1894. 

   Ponte ferroviária da antiga Cia. Mogiana de Estradas de Ferro sobre o Rio Uberaba no trecho entre entre Uberaba e Uberlândia (MG). Foto de 2016. Crédito: Google Earth.

Nota-se ainda um detalhe curioso, que pouca gente conhece: a falta do último vão metálico do lado de Igarapava. A Cia Mogiana mudou o traçado da ferrovia depois que a estrutura da ponte já havia sido encomendada na Europa. No novo local de travessia, o rio era ligeiramente mais largo e foi preciso adicionar um quinto vão à ponte. Com o início da 1ª Guerra Mundial, foi impossível comprar essa estrutura extra, e a ponte teve de ser inaugurada (em outubro de 1915) com um vão provisório, feito em madeira. Só depois de 1919 ele foi substituído pela estrutura metálica (um pouco menor que as outras quatro) que está lá até hoje.

A segunda imagem é mais antiga e bem menos conhecida: mostra a construção da ponte sobre o Rio Uberaba, já no trecho Uberaba-Uberlândia da ferrovia. A foto não tem data, mas deve ter sido tirada por volta de 1894, quando esse prolongamento estava sendo construído (foi inaugurado em 1895). É possível que seja a mesma ponte que se encontra lá até hoje, cruzando o rio logo atrás da pedreira da empresa Jasfalto, e que pode ser vista do alto no Google Earth.

Não achei na Internet fotos recentes dessa ponte. Que não deve ser confundida com a outra que passa sobre o Córrego Alegria (um afluente do Rio Uberaba) na antiga linha Uberaba-Ibiá, inaugurada em 1925 – onde aconteceu o famoso acidente que deixou a cidade sem água por semanas em 2003.

Crédito das imagens PB: acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

(André Borges Lopes)

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Em 1971, a antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro foi incorporada à empresa estatal paulista Fepasa. Na década de 1990, todas as linhas de longo curso remanescentes da Fepasa foram transferidas para a Rede Ferroviária Federal e, em seguida, divididas em lotes e privatizadas. O Arquivo Público do Estado de São Paulo, conseguiu que os acervos históricos das antigas empresas ferroviárias paulistas ficassem sob sua guarda. Nesse acervo, encontrei algumas fotos originais das linhas de trem da Cia Mogiana no Triângulo Mineiro.


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Cidade de Uberaba

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

A PRIMEIRA FAZENDA MODELO

Em 1911, aconteceu a primeira “Exposição Agro-Pecuária” de Uberaba. Visitaram o evento o presidente estadual (equivalente aos atuais governadores) Júlio Bueno Brandão e representantes do Ministério da Agricultura, que elogiaram qualidade dos animais e o trabalho de seleção de gado Zebu feita pelos pecuaristas da região. Fidélis Reis – na época inspetor agrícola em Minas Gerais – sugeriu ao governo que instalasse no Triângulo Mineiro “uma fazenda modelo para aclimação de animais de raça de elite”. Essa exposição é relatada em detalhes no livro “ABCZ 100 anos: história e histórias”, recentemente lançado.

No ano seguinte, o Ministério da Agricultura mandou a Uberaba dois técnicos para que fizessem um relatório sobre a pecuária no Triângulo e escolhessem uma propriedade rural que pudesse ser comprada para montar uma fazenda modelo. O relatório listou sete fazendas no município de Uberaba e duas em Sacramento, descrevendo cada uma. Os autores recomendavam que a fazenda ficasse próxima a Uberaba, em local de fácil acesso. Como a maioria dos zootecnistas da época, a dupla não estava convencida das vantagens de criar o gado indiano, em lugar de gado europeu: “É inútil tentar demonstrar, aos que se convenceram das vantagens comerciais da aclimação e multiplicação do zebu, que esse caldeamento de sangue, assim feito, sem obedecer aos preceitos zootécnicos e a um rigoroso critério científico (…) é de resultado duvidoso e pode vir a ser nocivo e perigoso”. Diante disso, defendiam que a fazenda modelo deveria abrir novos rumos à pecuária da região, “ensinando pelo exemplo” e orientando os fazendeiros sobre métodos melhores de criação.

Das propriedades visitadas, a preferência ficou com a Fazenda do Veadinho, que pertencia ao Coronel Raymundo Soares de Azevedo – dono do casarão defronte ao atual Hospital da Criança, onde hoje funciona a Academia de Letras do Triângulo Mineiro. Sua fazenda ficava próxima da estação de Peirópolis da Cia Mogiana. Tinha cerca de mil alqueires de terra roxa, água abundante, invernadas de capim gordura e Jaraguá, plantações de café, cana de açúcar, arroz e um bom pomar. No final de 1912 o governo do estado de Minas desapropriou as terras e as doou ao governo federal – que criou a Fazenda Modelo de Criação e assumiu sua administração.

Essa iniciativa teve vida breve. O Almanak Laemmert de 1914 informa que o agrônomo José Maria dos Reis, irmão de Fidelis, foi seu primeiro diretor. Em matérias publicadas no jornal “O Paiz”, do Rio de Janeiro, encontramos algumas informações sobre os trabalhos desenvolvidos por ele à frente da instituição. Em setembro de 1913, o autor das reportagens deixa evidente a intenção de que “a imunização do gado exótico com o azul de trypan, o melhoramento das pastagens e o desenvolvimento dos serviços da fazenda modelo (…) concorrerão, de certo, para dissipar nos criadores o fanatismo pelo zebu.”

Em outubro de 1914 direção da fazenda passou para o engenheiro agrônomo Militino Pinto Carvalho. Natural do estado de Sergipe, Militino havia sido colega de José Maria e Fidélis Reis na única turma de alunos formada pelo Instituto Agronômico – a primeira faculdade a funcionar em Uberaba, entre 1895 a 1898. Antigo funcionário dos Correios e da Cia Mogiana, Militino tornara-se professor da Escola Normal e exercia desde 1907 o cargo de inspetor técnico de ensino em Uberaba. Ele comandou a Fazenda Modelo até o final de 1915, quando passou o bastão para Armando Alves da Rocha. Poucos anos mais tarde, Militino fez parte do grupo de aventureiros que atravessou o mundo para ir buscar gado na Índia – contagiado pelo tal “fanatismo pelo zebu” que o estabelecimento pretendia combater.

O fim dessa primeira Fazenda Modelo de Criação foi melancólico. A partir de 1916, há relatos nos jornais de atrasos de pagamentos a funcionários e fornecedores. No fim desse ano, a Câmara dos Deputados aprovou um enxugamento no orçamento federal para 1917, onde autorizava o Ministério da Agricultura a devolver a propriedade ao governo mineiro, “ficando a União exonerada de quaisquer encargos referentes ao seu custeio e administração, e suprimindo os cargos do pessoal em serviço”. Em 1918, estava extinta.

A Fazenda do Veadinho foi revendida a particulares, e existe até hoje. Seus atuais proprietários talvez nem saibam que lá funcionou a primeira Fazenda Modelo do Triângulo Mineiro. Só em 1937, no governo de Getúlio Vargas, foi criada uma nova Fazenda Experimental de Criação, onde hoje é a Univerdecidade.

(André Borges Lopes)




Cidade de Uberaba

O FAZENDEIRO

O FAZENDEIRO E A QUADRILHA PERONISTA


Em 8 de maio de 1958, uma quinta-feira, a cidade de Uberaba vivia os dias agitados de mais uma Exposição de Gado Zebu quando foi sacudida por uma notícia-bomba. Um avião Lockheed Lodestar da FAB pousou no aeroporto local trazendo policiais de São Paulo e militares do serviço secreto do Exército e da Aeronáutica. O grupo se dirigiu ao Hotel Regina, na Rua Manoel Borges, onde efetuou a prisão de um respeitável hóspede – Valter de Melo Azevedo – levado em seguida a São Paulo, sob forte esquema de segurança.

Grande fazendeiro na vizinha cidade de Barretos, Valter tinha 38 anos, era criador de gado zebu e velho conhecido dos uberabenses. Hóspede frequente do Grande Hotel, expunha e negociava gado da raça Gir nas Expozebu, onde conquistou alguns prêmios. Também era conhecido como homem perigoso. Doze anos antes, em abril de 1946, envolvera-se em uma discussão de trânsito em plena Praça do Patriarca, na capital paulista. Na briga, baleou e matou um capitão do Exército. Detido pela polícia, disse que portava um revólver porque carregava consigo grande quantidade de dinheiro vivo, destinado a negócios na Capital. Alegou legítima defesa e acabou absolvido. Nos anos seguintes, envolveu-se em delitos menores: autuações por crimes ambientais e por pilotar aviões civis sem licença.

Dessa vez, no entanto, a acusação era mais séria. Nos dias anteriores, a polícia paulista havia desbaratado uma quadrilha de ladrões de carros, acusada de roubar mais de 40 veículos nas cidades de São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro. O grupo era formado por meia dúzia de jovens entre 18 e 30 anos, liderados por Nelson Bassani, um criminoso foragido da penitenciária de Porto Alegre. Especializados em roubar veículos da marca Chevrolet, todos tinham nacionalidade argentina. Interrogados pela polícia, entregaram o fazendeiro Valter Azevedo como chefe do bando e mentor intelectual dos crimes, que incluía até o assassinato de alguns comparsas.

No entanto, segundo alguns órgão da imprensa, a coisa não parava por aí. Investigações secretas do Exército e da Aeronáutica apontariam vínculos da quadrilha com envio de recursos e contrabando de armas de fogo para a Argentina. Os criminosos estariam vinculados a grupos interessados em formar milícias armadas no país vizinho, com objetivo de reconduzir ao poder o ditador Juan Domingo Perón, que havia sido deposto pelos militares em 1955 e se encontrava no exílio. Segundo alguns relatos, os argentinos tramavam até mesmo um atentado contra o atual presidente, Arturo Frondizi, que visitaria o Rio de Janeiro naquele ano.

Com Valter preso na Casa de Detenção de São Paulo, os investigadores desvendaram o funcionamento do esquema criminoso. Os jovens argentinos eram responsáveis pelo furto dos Chevrolet nas ruas grandes cidades, e por levar os veículos até Barretos – usando salvo-condutos do Exército, aparentemente falsificados. Eram entregues na fazenda de Valter, que pagava pelos carros e se encarregava de “esquentá-los” para a revenda. Oficinas localizadas em Barretos e em Uberaba mudavam a aparência dos modelos, trocando a pintura, cromados e estofamentos – além de alterar a numeração dos motores e chassis. Uma pequena tipografia em Barretos confeccionava novos documentos para os veículos, que eram colocados à venda na região.

Defendido por renomados advogados da capital paulista, Valter Azevedo logo conseguiu deixar a cadeia. Embora tenha sido apontado pela imprensa como chefe da quadrilha, respondeu em liberdade apenas pelos crimes de receptação de mercadoria roubada e falsificação de documentos. As acusações de ligação com tráfico internacional de armas e a guerrilha peronista desapareceram por falta de evidências. No ano seguinte, foi condenado em primeira instância a pouco mais de três anos de prisão, mas recorreu da sentença.

Embora o caso tenha tido grande repercussão na mídia nacional, o jornal uberabense Lavoura e Comércio não dedicou a ele uma mísera nota de rodapé, seguindo uma velha tradição de não dar destaque a malfeitos de gente importante. A história da quadrilha de Valter entrou para as lendas da cidade de Barretos, mas o caso sumiu dos jornais. Já o pecuarista, pelo visto, não se emendou: em 1978 foi preso novamente. Dessa vez como mandante do assassinato de um homem, que estaria tendo um caso com uma de suas amantes.

(André Borges Lopes)