O OTÁRIO
O Peixe n’Água
Guido
Bilharinho
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Jerry Lewis - Ator e Diretor |
Jerry Lewis
(1926-2017) é considerado por parte da crítica um gênio da comédia. Não chega a
tanto, mas, não resta dúvida, que é um dos grandes atores (e autores) cômicos
do cinema, podendo comparar-se a Chaplin.
Contudo antes que algum admirador deste
último considere exagerada a referência (que em absoluto não é), é necessário
que se lembre que não existe apenas um tipo de comédia, porém vários. Entre
eles, a comédia sofisticada (sophisticated
comedy), a comédia maluca (screwball
comedy) e o pastelão.
No primeiro caso enquadram-se filmes de
Billy Wilder (O Pecado Mora ao Lado,
55; Quanto Mais Quente Melhor, 59; Se Meu Apartamento Falasse, 60), no
segundo, de Howard Hawks (Levada da Breca,
38), e de Peter Bogdanovich (Essa Pequena
é Uma Parada, 72), refilmagem daquele e, no pastelão, uma gama variada de
comédias, desde algumas de Chaplin até os Irmãos Max.
As comédias de Jerry Lewis, diretor e
ator, compartilham, muitas vezes, das características das duas primeiras
espécies.
É o caso, por exemplo, de O Otário (The Patsy, EE.UU., 1964), que
dirige e interpreta, funções que passou a acumular a partir de O Mensageiro Trapalhão (The Bell Boy,
EE.UU., 1960), tendo, antes e ainda durante algum tempo depois, atuado em
filmes dirigidos por Frank Tashlin, como O
Rei dos Mágicos (The Geisha Boy, 1958), Bancando
a Ama-Seca (Rock-a-Bye Baby, 1958), Detetive
Mixuruca (It’s Only Money, 1962) e Errado
Pra Cachorro (Who’s Minding the Store, 1963).
O Otário
incide no esquema usual do cineasta, baseado em sua interpretação pessoal
e em trama linear e romântica.
Realmente, suas estórias incorrem em
estereótipos e lugares comuns inúmeras vezes vistos (em filmes) e lidos (em
livro).
Nesse filme, não se foge à regra, pelo
contrário. Aplica-se-lhe totalmente. O pobre coitado, meio banzado, meio
idiotizado que, por um golpe do destino, tem sua oportunidade, ajuda e apoio.
Além da superficialidade e gratuidade
desse entrecho, descamba-se, ainda, no caso, em plena fantasia, num mundo que
só não é mágico porque suas criaturas são de carne e osso e seus objetos têm
contextura e solidez. Pois, não há possibilidade real, concreta, veraz de que
alguém tão otário, a ponto de não saber nem pronunciar corretamente as palavras
ou decorar singela frase, possa transformar-se, de repente, em verdadeiro self-mad-man. E que, simultaneamente,
indivíduo despersonalizado, assuma atitudes marcantes e peremptórias.
Essa dupla alteração é irrealista e
despropositada, visto que sem plausibilidade.
Contudo, se a trama em que se apoia o
filme é fraca e anódina, o mesmo não ocorre com a interpretação de Jerry Lewis
e a personagem que encarna. Aí reside sua grande virtualidade, enfatizada pela
crítica. Desbastada um pouco de certo exagero de seu admiradores mais
ardorosos, a performance de Lewis, como ator e personagem, não deixa de ser
adequada e primorosa.
Ao contrário do que ocorre comumente
com os atores que exageram seus esgares e, aí, se perdem, Lewis os mantém sob
controle, adequando-os às situações como se delas fizessem parte natural.
Diante da perfeição de seu desempenho,
seu paradigma só pode ser buscado (e encontrado) em Chaplin. Aliás, é
chapliniana a cena de sua transformação de mal-vestida e mal-ajambrada
personagem em elegante e desempenado dandy
de cartola e casaca. Sua habilidade e flexibilidade corporal e facial são tão
notáveis e esplêndidas quanto as do eterno clown
invocado.
E, cada um em seu tempo,
representam-no, refletem-no e o marcam. Se um é o grande cômico e intérprete da
primeira metade do século, o outro o é da segunda. Se Lewis não o é, como
Chaplin, pelas preocupações temáticas e situações enfocadas, o é como modo de
ser, expor-se e atuar, como cordeiro no meio de lobos ou flor solta num pântano
de interesses, consumismo e materialidades, perfilhando a inocência e a
ausência de malícia e de maldade.
A trama, linearmente desenvolvida, não
deixa, pois, de ser analítica, crítica e portadora de significado. Em sua
leveza e descontração contém mordacidade e juízo de valores.
Se a personagem é ingênua, o cineasta
não o é.
Essa aparente contradição resulta da
congenialidade entre a personagem e o mundo que a cerca. A ingenuidade só se
move em situações claras e perfeitamente delineadas, como peixe dentro d’água,
na banal (mas, propositada) figuração. Fora desse mundo, não tem condições de
sobrevivência. Como o peixe.
Em conseqüência, a trama esquemática
não é apenas mero pretexto para a ação e atuação do protagonista, como a água
não serve apenas para a natação do peixe. É meio e modo de existir e sobreviver.
Além disso, a riqueza e multiplicidade
do microcosmo recriado pelo cineasta, pelo ator e pela personagem, faz sua
comédia conter elementos extravagantes e sofisticados, apresentando cenas e
situações que se classificam ora nuns ora noutros, com grande versatilidade.
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista
internacional de poesia
Dimensão de
1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br) e autor de
livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando mensalmente
desde setembro último um livro no blog:
https://guidobilharinho.blogspot.com.br.