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sexta-feira, 28 de junho de 2019

UMA PONTE NO PORTO CEMITÉRIO

Embora os trens de ferro tenham um lugar cativo no imaginário da cidade, Uberaba nunca deu muita sorte com as ferrovias. Já contamos aqui que a chegada da linha da Mogiana, proveniente de São Paulo, em 1889 causou uma revolução no comércio e nas comunicações da cidade – então considerada porta de entrada para o sertão brasileiro. Mas a relação com as ferrovias gerou grandes expectativas e causou muitas decepções.

A Companhia Mogiana era, provavelmente, a pior das grandes empresas ferroviárias paulistas. Em 1891, dois anos depois da chegada do trem a Uberaba, já havia reclamações de comerciantes em relação ao custo do frete e à baixa qualidade dos serviços. Uma carga despachada do Rio de Janeiro levava três meses para chegar à estação de Uberaba, mais tempo do que em lombo de burro. Frequentemente, faltavam vagões para transportar gado e produtos do Triângulo com destino a São Paulo.

O traçado sinuoso da ferrovia, que chegava a Uberaba dando a volta por Franca e cruzando o Rio Grande em Jaguara, explicava em parte as deficiências (a variante por Igarapava e Delta, só foi inaugurada em 1915). Outro motivo era a bitola estreita, que obrigava cargas e passageiros a trocar de trem em Campinas, já que o acesso a São Paulo, Santos e Rio de Janeiro era feito em linhas de bitola larga. Mas a principal razão era o monopólio da Mogiana, que operava na região sem concorrentes.

Desde de 1890 havia projeto da Estrada de Ferro Oeste de Minas abrir uma ligação entre o sul de Goiás e Angra dos Reis, entroncando em Barra Mansa com a linha Rio-São Paulo da Central do Brasil. Essa ferrovia passaria na vila de São Pedro de Alcântara (atual Ibiá), então distrito de Araxá. O prometido ramal Alcântara-Uberaba ofereceria ao Triângulo Mineiro uma concorrente à Mogiana no acesso aos portos oceânicos, além de uma via mais rápida para passageiros com destino ao Rio e a Belo Horizonte.

A promessa tardou e falhou. A linha só foi inaugurada em 1926 e conseguiu a proeza de ser mais lenta e ineficiente que a velha Mogiana: trens de passageiros levavam seis horas para chegar a Araxá e a falta de vagões de carga era crônica. Tampouco foi adiante a ferrovia que ligaria Uberaba a Coxim, no Mato Grosso. O projeto chegou a ser realizado, mas acabou substituído pela ligação Bauru-Corumbá. Em julho de 1914, em entrevista à “Revista Moderna” do Rio de Janeiro, o deputado uberabense Alaor Prata queixava-se das frustrações com as ferrovias e alertava: “por todos esses contratempos é que o povo já vai apelando para o automóvel e, quando se lhe fala em estradas de ferro, vem-lhe espontâneo num movimento de lábios, um sorriso expressivamente irônico.”

As deficiências da Cia. Mogiana haviam se tornado mais evidentes em 1909, quando a Companhia Paulista de Estradas de Ferro – famosa pelos bons serviços – chegou Barretos oferecendo trens de passageiros mais rápidos e fretes mais baratos. Para os poucos uberabenses que tinham automóvel, o modo mais rápido de chegar a São Paulo era seguir de carro até Porto Cemitério (nas barrancas do Rio Grande ao lado de Planura) onde havia uma balsa que atravessava para Porto Colômbia, em São Paulo. De lá, seguiam para Barretos, onde tomavam o trem da Paulista. Com a inauguração do Frigorífico de Barretos, em 1913, esse passou a ser também o caminho de boa parte das boiadas que vinha do sertão.

Em 1929, os trilhos da Cia. Paulista alcançaram Porto Colômbia. A possibilidade de que a ferrovia cruzasse o Rio Grande com destino Frutal, e de lá a Goiás, era vista pelos uberabenses com um misto de entusiasmo e temor. Mas a empresa nunca teve essa intenção: pretendia apenas que o governo construísse uma ponte rodoviária até Porto Cemitério, que facilitasse a chegada do gado e de mercadorias à estação de Colômbia. O projeto da ponte chegou a ser feito, mas a crise de 1929 e a revolução de 1930 impediram sua execução.

Por mais de 20 anos, a Cia Paulista seguiu operando a travessia com um sistema de balsas a vapor. Em 1948, nada menos que 236 mil cabeças de gado cruzaram o Rio Grande por elas com destino a São Paulo. Já no ano seguinte, teve início a construção da ponte, que só foi inaugurada no início de 1954. Mas, nessa altura, as ferrovias já estavam no longo processo de decadência, que se agravaria nas décadas seguintes.

(André Borges Lopes)


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