Ponte que divide os estados de Minas
Gerais e São Paulo
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A
ponte que divide os estados de Minas Gerais e São Paulo, em Delta, no Triângulo
Mineiro.
Quando
o primeiro tronco caiu sobre um pequeno riacho e suas extremidades ocuparam as
margens opostas, estava inaugurada uma nova maneira de se ultrapassar
obstáculos em busca de alimento e de abrigo. Esse jeito natural de interligar,
no mesmo nível, pontos separados por rios, vales ou outros impedimentos foi
prontamente imitado pelo homem e, na época dos etruscos, recebeu o nome de
“pont” (estrada). Desde as primeiras, de troncos de árvores ou pranchas de
pedra, a evolução de suas construções levou a humanidade a conceber estruturas
duradouras diversificadas: em arcos, em ferro fundido, com treliças ou cabos,
em aço ou suspensas em extensos vãos (sob água ou meio seco) e à criação, na
França, da primeira escola superior de engenharia civil, a École de Ponts et
Chaussées, do século XVII.
Existem
as mais famosas (Ponte 25 de abril, suspensa, liga Lisboa à margem sul do rio
Tejo; Ironbridge, primeira ponte inglesa de ferro fundido; Ponte de Londres,
sobre o rio Tâmisa; Golden Gate Bridge, americana, sobre a Baía de São
Francisco; Ponte do Brooklyn, sobre o rio Hudson; Ponte Hercílio Luz, em Santa
Catarina, a maior ponte pênsil do Brasil; Ponte Rio-Niterói, com 13,9 km de
extensão, e a ponte JK, cartão postal do principal centro
político-administrativo do país) e as nem tão famosas, mas brilhantes em sua
tarefa de conectar lugares e pessoas, como a nossa Ponte de Delta.
Paradoxalmente,
essa ponte que desde 1915 une paulistas e mineiros foi campo de batalha para
separá-los, na época da chamada Revolução de 1930. O movimento armado liderado
por Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul, culminou no golpe de estado que depôs o
presidente da república Washington Luís, impediu a posse do eleito, Júlio
Prestes, e pôs fim à Republica Velha. Há muitos relatos históricos sobre a árdua
batalha, principalmente por conta da estrada de ferro, e quem pôde, como eu,
conviver com um avô morador do outro lado da ponte, na época, ouviu casos e
histórias de corpos de combatentes descendo o rio.
A
estrutura de ferro foi construída para atender à malha ferroviária da Cia.
Mogiana que – nascida em berço paulista – cresceu cortando o Triângulo Mineiro
e aportou em Uberaba, por volta de 1889. Alguns dizem que as peças vieram da
Inglaterra, outros afirma que a ponte tem nacionalidade alemã. O certo é que a
partir da década de 1910, a travessia do rio deixou de ser feita com barco ou
canoas, para as gentes do lado mineiro (Delta, Sacramento e Conquista, pacatas
cidadezinhas que vão devagar, como diria Durmmond), da banda paulista (Aramina,
Igarapava) e outras, vindas de estados mais distantes. Quando inaugurada, as
pessoas chegavam de todas as localidades para contemplar a beleza. Hoje, o que
resta de uma das principais rotas de ligação entre São Paulo e Minas é um
conjunto de sustentações, de 324 metros de ferro importado, que guarda marcas
históricas importantes, mas que se encontra desgastado, sucateado, cheio de
rachaduras, com grades de proteção distorcidas, sinais de infiltração e
desprovido de possibilidades de investimentos em sua restauração.
Lenine
canta: “A ponte é até onde vai o meu pensamento\ A ponte não é para ir nem pra
voltar\ A ponte é somente pra atravessar\ Caminhar sobre as águas desse
momento…” e penso que as águas do momento de alguns, quando muito turvas ou
turbulentas não oferecem outros caminhos senão os da entrega dolorida. Se
muitos se atiraram, e ainda o fazem, da famosa, Golden Gate, ou de outra, sob
um céu azul de nuvens fiapentas, não há relato de que isso tenha ocorrido na de
Delta, encoberta pelo mesmo céu azul, mas foi sob ela que muitos mergulharam,
na profundeza das águas, um futuro inteiro, ao se transformarem – pela bala do
inimigo – em corpos correnteza abaixo.
O
que, provavelmente, não se passa por nossas cabeças, na vã correria diária, é
pensar em como pontes foram e são construídas, em quantos morreram e morrem,
durante o processo, deixando nas armações e concretagens, sonhos de um dia
atravessá-las e contar que ali tinha seu braço, e no quanto, por mais modernos
que estejam as práticas de engenharia e os equipamentos de proteção, haverá
sempre momentos de suspensão e, sob os pés, só a forte correnteza da monumental
e gorda serpente líquida que, na pressa, de atingir o mar, engole vigas, cabos,
roldanas e almas.
Texto: Iara Fernandes