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sexta-feira, 28 de junho de 2019

O facínora Manoel Prego

A pesquisa histórica em jornais antigos envolve riscos. Sempre que o noticiário trata de fatos de natureza político-partidária, é preciso tentar desvendar os interesses e motivações de cada um dos que escrevem – o que nem sempre é fácil para quem está distante das paixões e complexidades da política local de cada época. A complicação se torna maior quando as questões políticas migram para o noticiário policial. Informações prestadas por autoridades policiais, investigadores, promotores, advogados e réus devem sempre ser vistas com ressalvas, já que há inegáveis interesses envolvidos. Na mais branda e legítima das hipóteses, é usual que autoridades divulguem informações falsas ou incompletas, com o intuito de não atrapalhar investigações em curso. Nas piores situações, as falsidades podem ter o objetivo de confundir o leitor e proteger criminosos.

Um exemplo dessas situações ocorreu no Triângulo Mineiro, em meados da década de 1930, quando as disputas políticas entre adversários e apoiadores dos governos de Getúlio Vargas e seu interventor estadual Benedito Valadares eram exacerbadas. Na cidade de Ituiutaba, uma das personalidades de grande destaque era o Cel. Pedro de Freitas Fenelon, que havia apoiado Getúlio na revolução de 1930 e participado ativamente dos combates contra o levante paulista de 1932. Três anos mais tarde, a disputa política continuava quente. Pedro Fenelon era líder do Partido Progressista e oficial do Registro Civil em Ituiutaba. Às nove da noite do dia 13 de outubro de 1935, ele deixava o fórum da cidade quando foi abatido a tiros de revolver no meio da rua, por um assassino que fugiu do local.

A morte causou grande comoção em Uberaba, onde Fenelon tinha parentes e amigos. Desde logo, suspeitou-se de crime com motivações políticas. Benedito Valadares nomeou para as investigações o delegado Oswaldo Machado, de Belo Horizonte, que veio para o Triângulo com plenos poderes. Um mês após o crime, a imprensa divulgava que o delegado estava no encalço de um matador de aluguel de nome Manoel Prego, suspeito de ser o executor do crime.

Em dezembro, o jornal uberabense Lavoura e Comércio divulga que Machado havia apreendido na região de Ituiutaba um enorme arsenal de armas de guerra, inclusive metralhadoras. Poucos dias antes, fora sufocado em diversas cidades do país um levante de militares simpatizantes do Partido Comunista (a chamada “Intentona”), mas a polícia garantia que as armas pertenciam a Manoel Prego que, de mero pistoleiro, havia sido elevado à categoria de “chefe de terrível quadrilha de salteadores”. Dois dias depois, o Lavoura publicou sem destaque uma carta contestando a informação: invocando o testemunho das autoridades policiais de Ituiutaba, os remetentes afirmavam que o arsenal havia sido apreendido nas casas e fazendas de apoiadores do finado Pedro Fenelon, entre eles o prefeito Jaime da Luz.

Foi preciso um ano de perseguições para que a polícia pusesse as mãos no terrível Manoel Prego. Em 9 de dezembro de 1936, o assassino foi surpreendido nas cercanias de Santa Rita do Paranaíba, Goiás, “em residência da horizontal Ana Cataloa”. Apesar da surpresa e da situação constrangedora, Manoel – um negro alto e forte – teria oferecido “terrível resistência” à captura, só se entregando depois de baleado. Na delegacia, confessou uma série de crimes praticados em cidades do noroeste paulista, Triângulo mineiro e sul de Goiás. Contou em detalhes o assassinato de Pedro Fenelon, que teria sido praticado a mando de um respeitável adversário político local, o Sr. Tobias Gomes Junqueira, pela quantia de dois contos de reis. Disse ainda ser amigo de vários fazendeiros da região, que lhe ofereciam abrigo em troca de serviços.

Seu verdadeiro nome era Manoel Eduardo de Andrade, um pistoleiro de aluguel que atuava sozinho. Considerado de alta periculosidade, foi transferido por questões de segurança para a Penitenciária de Uberaba. No final de março de 1937, foi levado a Frutal a pedido do Juiz de Direito local para depor em um processo. Poucos dias depois, detido na cadeia local, teria tentado fugir e acabou baleado e morto pelos policiais de plantão. Levou consigo os segredos dos crimes e seus mandantes. Da “terrível quadrilha” e das armas de guerra apreendidas, ninguém mais deu notícias.


(André Borges Lopes)



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