No início dos anos 1950, despontou na imprensa carioca um novo colunista social, que iria fazer grande sucesso nas décadas seguintes. Descendente de árabes, de uma família pobre, Ibrahim Sued iniciou a carreira nos jornais como repórter fotográfico, ainda nos anos 1940. Nesse trabalho, revelou raro talento para infiltrar-se em locais restritos e obter boas informações, além da uma capacidade admirável de relacionamento com a fina flor da alta sociedade da então Capital Federal.
Trabalhou com grandes jornalistas, como Joel Silveira na revista “Diretrizes” e Carlos Lacerda na “Tribuna da Imprensa”, onde começou a escrever os primeiros textos. O sucesso viria a partir de 1954, quando foi contratado pelo jornal “O Globo” para assinar uma coluna social informal e inovadora para a época, com a qual fez fama e fortuna. Criou “bordões” que se tornaram célebres como “De leve”, “Sorry periferia”, “Ademã que eu vou em frente”, “Os cães ladram e a caravana passa”, dentre outros.
Curiosamente, Sued nunca foi escritor talentoso e – segundo seus detratores – tinha dificuldades com a gramática. Além disso, fazia amigos com a mesma velocidade com que colecionava desafetos. Causou surpresa quando, no início de 1956, revelou que estava dando início à carreira de letrista. Sua primeira música era o samba-canção romântico “Decepção”, composto em parceria com um músico também estreante, de família uberabense: Mário Jardim, neto de Quintiliano Jardim – jornalista e diretor do jornal “Lavoura e Comércio”. Mariozinho, como era conhecido, morava no Rio de Janeiro, onde trabalhava no Tribunal de Contas.
Em fevereiro daquele ano, a música foi lançada pela gravadora Sinter, interpretada por Neusa Maria, uma bela e jovem cantora que despontava nos programas de rádio da Capital. Em parte graças à curiosidade e à promoção dada por Ibrahim, o samba fez sucesso e foi incluído no primeiro LP da cantora, lançado meses depois. Uma busca no YouTube nos permite ouvir a gravação original: uma história triste de uma moça apaixonada, traída por falsas promessas de amor, bem ao gosto da época.
No mês de abril Ibrahim e Mário já anunciavam nova parceria no samba “Amor não é brinquedo”, quando uma revelação caiu como um bomba: a jornalista uberabense Iná de Souza reivindicava a autoria da letra e acusava o colunista de plágio. Não faltavam inimigos de Ibrahim na imprensa e a denúncia teve repercussão em diversos jornais e revistas. Iná foi entrevistada e contou sua história: a pedido de Mário, havia escrito a letra no inicio de 1954. O samba, gravado por uma cantora uberabense com arranjo do maestro Alberto Frateschi, teria feito sucesso no carnaval daquele ano. A letra supostamente escrita por Ibrahim tinha poucas palavras modificadas, a maior parte era rigorosamente igual, inclusive o título.
Desconhecida no Rio, Iná de Souza tinha certo prestígio em Uberaba. Filha de uma família de jornalistas que editava o jornal “O Triângulo”, Iná escrevia crônicas e poemas desde a década de 1940. Era também uma das responsáveis pela revista “Graça e Beleza”, de moda e comportamento. Durante a gestão de Antônio Próspero havia trabalhado por alguns anos na Prefeitura, como bibliotecária, diretora do serviço de estatística e chefe de gabinete do prefeito. Nos últimos anos, havia se licenciado do cargo e estava morando com uma irmã na capital de São Paulo – onde foi surpreendida ao ouvir na voz de Neusa Maria o samba que havia composto.
Questionado pela imprensa, a primeira explicação de Mario Jardim tinha cara de confissão de culpa: alegava que, na realidade, a letra era dele e Ibrahim Sued – que não sabia nem batucar em caixa de fósforo – havia composto a música. O próprio Ibrahim, então passando uma temporada na Europa, preferiu não se manifestar. Enquanto isso, Iná de Souza chegava ao Rio disposta a contratar um advogado para processar a dupla e garantir seus direitos. Dizia que tinha inúmeras provas e testemunhos do que afirmava. Mas que, infelizmente, a única gravação em acetato da música feita em 1954 havia sido subtraída de uma rádio uberabense pelo poderoso avô jornalista do coautor.
O que se seguiu nunca ficou muito claro. Aparentemente, a gravadora Sinter intermediou um acordo entre as partes. O fato é que assunto sumiu da imprensa, e ninguém tocou mais no assunto. Mário e Ibrahim continuaram a compor em parceria e Iná voltou a Uberaba, onde tornou-se uma conhecida agitadora cultural. Mas isso já é uma outra história.
(André Borges Lopes)
Cidade de Uberaba