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quinta-feira, 29 de março de 2018

O GABINETE DO DR. CALIGARI

Arte Expressionista

Guido Bilharinho



Após sua invenção, em 1895, não tarda muito, no cinema, a realização de bons filmes e, ainda, o aparecimento de movimentos ou tendências coletivas, refletindo em suas produções, correspondente orientação estética.

         O primeiro a surgir com mais consistência (depois do film d’art francês e do realismo e da vanguarda italianos), é o expressionismo alemão. Tendência comum a todas as artes, tem em Schoenberg, compositor austríaco, e Kandinsky, pintor russo, alguns de seus mais relevantes representantes nessas áreas.

         A temática - fantasmagórica - centra-se em torno das manipulações procedidas pelo dr. Caligari em Cesare, misto de personagem diurno de feiras e perigoso assassino à noite. A narrativa é comandada por um louco, para quem os internos do sanatório são os seres normais, circunstância que encontra similitude, embora em contexto, fatos e situações totalmente diversos, no romance A Lua Vem da Ásia, de Válter Campos de Carvalho (Uberaba, 1916 - São Paulo, 1998). Ao final, imaginação e realidade fundem-se na mente alucinada do narrador.

         Pode-se aduzir que essa temática, sua condução e detalhes servem apenas de veículo a expressões formais, à elaboração e construção de obra de arte estetizante, que somente enfatiza as propriedades visuais da imagem.

         Se desligado o tema da perspectiva geral do filme pode-se ser levado, em análise fracionada, a considerá-lo mero exercício escapista. Contudo, não o é. Conquanto o expressionismo destaque os aspectos formais, o conjunto fílmico apresenta-se como obra abrangente visando o prazer estético, finalidade da arte.

         O décor - equivalente ao cenário no teatro - sintetiza, na prática, as teorizações expressionistas de cinema. No filme, destaca-se juntamente com a direção e interpretação dos atores, que se apresentam integrados, sendo o décor concebido objetivando a simbiose - que consegue - com o clima e a ambiência sugeridos ou exigidos pelo tema.

No cinema, esse movimento encontra campo propício para propagação na Alemanha do primeiro pós-Guerra. Emergindo derrotado de conflagração bélica de largas proporções - a maior havida até então - o país atravessa período de instabilidade e de crise econômica e social. A realidade crua, a fermentação do ódio, do revanchismo, da propaganda bélica e a censura oficial drástica e severa mergulham os intelectuais e artistas germânicos em perplexidades. Para muitos, o expressionismo não passa, então, de evasão a essa realidade perversa.

         De fato, tal tendência orienta-se no sentido de permitir ao artista as mais incontroláveis (e livres) incursões no mundo do imaginário, dos sentimentos e das emoções. É-lhe propiciada, pois, a mais ampla liberdade de expressar qualquer ideia desvinculada da realidade concreta. Nessa linha conceitual, a visão pessoal expressiva do artista sobrepõe-se a valores, juízos e verdades objetivas - ou tidas como tais - para incursionar pelo universo do arbitrário, do irreal, do abstrato e do puramente especulativo.

         Por isso, os filmes expressionistas alemães não apresentam temática emergida do contexto social, não tendo, pois, seu conteúdo significado circunstancial.

         Entre os maiores, quando não o maior e mais significativo espécime cinematográfico do gênero, está O Gabinete do Dr. Caligari (Das Gabinette des Doctor Caligari, Alemanha, 1919), de Robert Wiene (1881-1938), que é, também, uma das obras-primas do cinema.

         A única limitação do filme, que o é, de maneira geral, do cinema de então, reside na falta de mobilidade da câmera, cujas possibilidades e virtualidades ainda não estão, à época, de todo antevistas e/ou utilizadas.


(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2003)

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional.