Arte Expressionista
Guido Bilharinho
Após sua invenção, em 1895, não tarda muito, no
cinema, a realização de bons filmes e, ainda, o aparecimento de movimentos ou
tendências coletivas, refletindo em suas produções, correspondente orientação
estética.
O
primeiro a surgir com mais consistência (depois do film d’art francês e do realismo e da vanguarda italianos), é o
expressionismo alemão. Tendência comum a todas as artes, tem em Schoenberg,
compositor austríaco, e Kandinsky, pintor russo, alguns de seus mais relevantes
representantes nessas áreas.
A
temática - fantasmagórica - centra-se em torno das manipulações procedidas pelo
dr. Caligari em Cesare, misto de personagem diurno de feiras e perigoso
assassino à noite. A narrativa é comandada por um louco, para quem os internos
do sanatório são os seres normais, circunstância que encontra similitude,
embora em contexto, fatos e situações totalmente diversos, no romance A Lua Vem da Ásia, de Válter Campos de
Carvalho (Uberaba, 1916 - São Paulo, 1998). Ao final, imaginação e realidade
fundem-se na mente alucinada do narrador.
Pode-se
aduzir que essa temática, sua condução e detalhes servem apenas de veículo a
expressões formais, à elaboração e construção de obra de arte estetizante, que
somente enfatiza as propriedades visuais da imagem.
Se
desligado o tema da perspectiva geral do filme pode-se ser levado, em análise
fracionada, a considerá-lo mero exercício escapista. Contudo, não o é.
Conquanto o expressionismo destaque os aspectos formais, o conjunto fílmico apresenta-se
como obra abrangente visando o prazer estético, finalidade da arte.
O décor - equivalente ao cenário no teatro
- sintetiza, na prática, as teorizações expressionistas de cinema. No filme,
destaca-se juntamente com a direção e interpretação dos atores, que se
apresentam integrados, sendo o décor
concebido objetivando a simbiose - que consegue - com o clima e a ambiência
sugeridos ou exigidos pelo tema.
No cinema, esse movimento encontra campo
propício para propagação na Alemanha do primeiro pós-Guerra. Emergindo
derrotado de conflagração bélica de largas proporções - a maior havida até
então - o país atravessa período de instabilidade e de crise econômica e social.
A realidade crua, a fermentação do ódio, do revanchismo, da propaganda bélica e
a censura oficial drástica e severa mergulham os intelectuais e artistas
germânicos em perplexidades. Para muitos, o expressionismo não passa, então, de
evasão a essa realidade perversa.
De
fato, tal tendência orienta-se no sentido de permitir ao artista as mais
incontroláveis (e livres) incursões no mundo do imaginário, dos sentimentos e
das emoções. É-lhe propiciada, pois, a mais ampla liberdade de expressar
qualquer ideia desvinculada da realidade concreta. Nessa linha conceitual, a
visão pessoal expressiva do artista sobrepõe-se a valores, juízos e verdades
objetivas - ou tidas como tais - para incursionar pelo universo do arbitrário,
do irreal, do abstrato e do puramente especulativo.
Por
isso, os filmes expressionistas alemães não apresentam temática emergida do
contexto social, não tendo, pois, seu conteúdo significado circunstancial.
Entre
os maiores, quando não o maior e mais significativo espécime cinematográfico do
gênero, está O Gabinete do Dr. Caligari
(Das Gabinette des Doctor Caligari, Alemanha, 1919), de Robert Wiene
(1881-1938), que é, também, uma das obras-primas do cinema.
A
única limitação do filme, que o é, de maneira geral, do cinema de então, reside
na falta de mobilidade da câmera, cujas possibilidades e virtualidades ainda
não estão, à época, de todo antevistas e/ou utilizadas.
(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2003)
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba,
editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de
literatura, cinema e história do Brasil e regional.