“A Explosão do Bar do Antero”
O final de 1968 foi um período marcado por passeatas estudantis e a retomada das mobilizações políticas. Setores mais duros do regime militar decretaram, na noite de 13 de dezembro, o AI-5 (Ato Institucional número 5). O Congresso Nacional foi fechado, recrudesceu a censura e reuniões políticas foram proibidas, entre outras ações autoritárias. A medida conferia ao presidente da República poderes totais para perseguir e reprimir as oposições. Imprensa, teatros, escolas, sindicatos, fábricas, toda a sociedade sentia a ‘mão-de-ferro’ da ditadura.
Numa tarde ensolarada de abril de 1969, uma forte explosão estremeceu o bairro Estados Unidos, parte do Boa Vista e o Centro de Uberaba. Eram 16 horas, do dia 10. Uma nuvem de fumaça, em forma de cogumelo, pôde ser vista à distância. O estouro ocorreu, justamente, em frente à casa onde Prestes hospedara 10 anos antes, na residência do conhecido comunista Babá, da Farmácia Globo, situada ao lado de sua casa, na esquina das ruas Martim Francisco, 43, e Padre Zeferino, 439, onde, em 2008, funcionava a Loja São Luiz Tecidos.
O fato ficou popular como “A Explosão do Bar do Antero”, devido o estouro ter ocorrido numa loja de armarinhos, ao lado do botequim famoso por seu sanduíche de pão com bife e por ser local frequentado por universitários. Os bairros Estados Unidos e Mercês foram os dois principais redutos comunistas, na cidade, nas décadas de 1940 a 1960. Logo surgiram as suspeitas de que o fato talvez fosse um atentado político.
Contudo, o inquérito policial contrariou a suspeita de subversão ou de ataque a militantes do partido que frequentavam o bar e também jogavam baralho até de madrugada, ao lado, num depósito de material de construção. Há quem desconfie de que houvera engano ao se armar a “bomba-relógio” que possivelmente deveria explodir às quatro horas da manhã, porém, foi disparada às quatro horas da tarde. Entretanto, a polícia concluiu que a explosão foi acidental, após averiguação assinada pelo delegado regional de Segurança Pública, José Aparecida Vicentini.
O Ministério Público propôs o arquivamento, em 31 de outubro, do inquérito – com laudo número 171/69, datado de 6 de agosto - considerando impossível esclarecer o fato, devido à morte do estudante de química industrial José Cussi, 26, que estava na loja de armarinhos, em fase de instalação, onde ocorreu o estouro. O comércio pertencia ao seu irmão Vicente Paulo Cussi, 19, que o deixara vigiando o local para ir treinar no Independente Atlético Clube, de acordo com a informação da irmã Rossana Cussi Jerônimo, advogada. Após esse fato, foi instalada uma unidade da Polícia Federal, no Triângulo Mineiro, em Uberaba, dirigida pelo delegado Guilhermino Conceição Corrêa.
A explosão foi provocada, supôs o chefe da perícia Antônio Orfeu Brauna, pela queda de caixas de foguetes carregadas da casa da família Cussi, próxima ao local, até a loja. A empresa estocava pólvora branca para fabricar fogos de artifício com vista às festas juninas, segundo Edem Araujo Borges, balconista da Farmácia Globo. Nada menos que 2.136 foguetes e rojões, apreendidos pela polícia, não explodiram.
Rossana contestou essa versão e questionou sobre o que teria detonado a explosão, considerando a quantidade de mercadoria recolhida intacta pelas autoridades. Todavia, o perito avaliou que bastaria a queda de 15kg do produto, confeccionado com pólvora branca – de alto poder explosivo -, da altura de l,5m para causar o acidente. Caso semelhante ocorrera em Pinhal (SP), na Fábrica de Fogos de Artifício Santo Antônio, conforme recorte de reportagem de jornal anexado ao processo.
Foram oito vítimas fatais: José Cussi, as crianças que brincavam no passeio, Edson Curi, 9, e Douglas da Cruz, 10, neto de Antero Antônio Alves, 58, dono do bar; o comerciante Lauro Lombardi, 28, que passava pela rua e ficou com o corpo dilacerado; Izaura de Sousa Cruz, 48, Ivone Alves Martinelli, 29, respectivamente, irmã e filha de Antero, que estavam no interior do estabelecimento; Gilberto Pinto Colares, 25, da Barbearia Colares; e Antônio Paulo Cury, 67. Quatro pessoas ficaram feridas: Tereza Cristina de Freitas, 4, que brincava no passeio; o contabilista da farmácia, Edmo de Oliveira, 23, que atravessava a rua em direção ao bar, foi atingido por estilhaços e ficou internado em hospital por seis meses; Jorge Paulo Cury, do depósito de material de construção; e o dono do açougue, no número 85, José Antônio Cury, 38.
Sete prédios foram destruídos: na rua Martim Francisco, o nº 42, o depósito de material de construção pertencente à família Cury; na rua Padre Zeferino, o nº 81-A, o Bazar Dominique; o nº 83, a Barbearia Colares; o nº 85, o Açougue do Jorge; o 87, a loja de armarinhos que ainda não tinha nome; o 89, o Bar e Restaurante do Antero; e o 86/88, a Feira das Louças. Vidros de janelas da vizinhança como os da Escola Estadual Castelo Banco, na rua Padre Leandro, foram quebrados até a 500m de distância, conforme o diário Correio Católico, de 11 de abril, em reportagem intitulada “Catástrofe enluta Uberaba”. Vidraças da estação ferroviária, no bairro Boa Vista, foram atingidas.
Durante cerca de 30 anos os escombros da explosão permaneceram e nem um muro isolando o local foi construído de frente para as ruas. Um prédio com salas comerciais no térreo e três andares de apartamentos foi erguido, no início dos anos 2000, naquela esquina com o endereço indicando para a rua Padre Zeferino, sob o número 415.
Trecho - com foto integrante do inquérito policial - do capítulo "Explosão Mata 8 nos Estados Unidos, o "Bairro Vermelho", do livro "Lucilia - Rosa Vermelha" [2011], de Luciana Maluf e Luiz Alberto Molinar, da Editora Bertolucci.
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