O FAZENDEIRO E A QUADRILHA PERONISTA
Em 8 de maio de 1958, uma quinta-feira, a cidade de Uberaba vivia os dias agitados de mais uma Exposição de Gado Zebu quando foi sacudida por uma notícia-bomba. Um avião Lockheed Lodestar da FAB pousou no aeroporto local trazendo policiais de São Paulo e militares do serviço secreto do Exército e da Aeronáutica. O grupo se dirigiu ao Hotel Regina, na Rua Manoel Borges, onde efetuou a prisão de um respeitável hóspede – Valter de Melo Azevedo – levado em seguida a São Paulo, sob forte esquema de segurança.
Grande fazendeiro na vizinha cidade de Barretos, Valter tinha 38 anos, era criador de gado zebu e velho conhecido dos uberabenses. Hóspede frequente do Grande Hotel, expunha e negociava gado da raça Gir nas Expozebu, onde conquistou alguns prêmios. Também era conhecido como homem perigoso. Doze anos antes, em abril de 1946, envolvera-se em uma discussão de trânsito em plena Praça do Patriarca, na capital paulista. Na briga, baleou e matou um capitão do Exército. Detido pela polícia, disse que portava um revólver porque carregava consigo grande quantidade de dinheiro vivo, destinado a negócios na Capital. Alegou legítima defesa e acabou absolvido. Nos anos seguintes, envolveu-se em delitos menores: autuações por crimes ambientais e por pilotar aviões civis sem licença.
Dessa vez, no entanto, a acusação era mais séria. Nos dias anteriores, a polícia paulista havia desbaratado uma quadrilha de ladrões de carros, acusada de roubar mais de 40 veículos nas cidades de São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro. O grupo era formado por meia dúzia de jovens entre 18 e 30 anos, liderados por Nelson Bassani, um criminoso foragido da penitenciária de Porto Alegre. Especializados em roubar veículos da marca Chevrolet, todos tinham nacionalidade argentina. Interrogados pela polícia, entregaram o fazendeiro Valter Azevedo como chefe do bando e mentor intelectual dos crimes, que incluía até o assassinato de alguns comparsas.
No entanto, segundo alguns órgão da imprensa, a coisa não parava por aí. Investigações secretas do Exército e da Aeronáutica apontariam vínculos da quadrilha com envio de recursos e contrabando de armas de fogo para a Argentina. Os criminosos estariam vinculados a grupos interessados em formar milícias armadas no país vizinho, com objetivo de reconduzir ao poder o ditador Juan Domingo Perón, que havia sido deposto pelos militares em 1955 e se encontrava no exílio. Segundo alguns relatos, os argentinos tramavam até mesmo um atentado contra o atual presidente, Arturo Frondizi, que visitaria o Rio de Janeiro naquele ano.
Com Valter preso na Casa de Detenção de São Paulo, os investigadores desvendaram o funcionamento do esquema criminoso. Os jovens argentinos eram responsáveis pelo furto dos Chevrolet nas ruas grandes cidades, e por levar os veículos até Barretos – usando salvo-condutos do Exército, aparentemente falsificados. Eram entregues na fazenda de Valter, que pagava pelos carros e se encarregava de “esquentá-los” para a revenda. Oficinas localizadas em Barretos e em Uberaba mudavam a aparência dos modelos, trocando a pintura, cromados e estofamentos – além de alterar a numeração dos motores e chassis. Uma pequena tipografia em Barretos confeccionava novos documentos para os veículos, que eram colocados à venda na região.
Defendido por renomados advogados da capital paulista, Valter Azevedo logo conseguiu deixar a cadeia. Embora tenha sido apontado pela imprensa como chefe da quadrilha, respondeu em liberdade apenas pelos crimes de receptação de mercadoria roubada e falsificação de documentos. As acusações de ligação com tráfico internacional de armas e a guerrilha peronista desapareceram por falta de evidências. No ano seguinte, foi condenado em primeira instância a pouco mais de três anos de prisão, mas recorreu da sentença.
Embora o caso tenha tido grande repercussão na mídia nacional, o jornal uberabense Lavoura e Comércio não dedicou a ele uma mísera nota de rodapé, seguindo uma velha tradição de não dar destaque a malfeitos de gente importante. A história da quadrilha de Valter entrou para as lendas da cidade de Barretos, mas o caso sumiu dos jornais. Já o pecuarista, pelo visto, não se emendou: em 1978 foi preso novamente. Dessa vez como mandante do assassinato de um homem, que estaria tendo um caso com uma de suas amantes.
(André Borges Lopes)