Mostrando postagens com marcador Igarapava. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Igarapava. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 1 de outubro de 2019

NAUFRÁGIO NO RIO GRANDE

Já passava das duas da tarde quando a lancha “Sapucahy-Mirim” acionou o seu motor a vapor, lançou um longo apito e afastou-se do atracadouro do porto da Bocca Grande, na margem paulista do Rio Grande, próximo a Vila de Santa Rita, atual Igarapava. O barco, que pertencia à Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e Navegação, havia começado de manhã cedo sua viagem naquela quinta-feira, 22 de novembro de 1888. Deixara o porto de Jaguara, 30 quilômetros rio acima, onde funcionava a última estação da ferrovia paulista, que ligava a cidade de Campinas ao Triângulo Mineiro. Em Jaguara, embarcaram no vapor dois passageiros: Arlindo Alves Monteiro, da cidade de Bebedouro, e Guilherme Walick, do Salto de Itu, representante comercial da casa Mac-Hardy. O destino de ambos era o Porto da Ponte Alta, na margem mineira do rio, junto à atual cidade de Delta, alguns quilômetros abaixo de Bocca Grande. De lá, chegava-se por terra a Uberaba.

Lancha “Sapucahy-Mirim”

Oito meses antes, em março de 1888, o primeiro trem da Mogiana havia cruzado o Rio Grande por uma ponte ferroviária construída sobre as pedras da corredeira de Jaguara. Menos de um quilômetro adiante da ponte, havia sido erguida a estação de mesmo nome. Era a segunda estação da Companhia a ser aberta na província de Minas Gerais: a pioneira havia sido Caldas (mais tarde renomeada Poços de Caldas), inaugurada em outubro de 1886. A estação Jaguara marcava o ponto final da chamada “linha do Rio Grande”. Dali em diante, começaria a “linha do Catalão”: uma ferrovia que, passando por Uberaba, deveria chegar até essa cidade no sul de Goiás, mas que acabou encerrando o trajeto em Araguari, estação inaugurada em 1896.

As instalações da estação de Jaguara, hoje em ruínas, impressionam pela seu tamanho e imponência. Os terrenos para construção dos pátios de manobra, grandes armazéns e uma vila ferroviária foram cedidos pelo Coronel Manoel Pereira Cassiano, residente em Uberaba. Jaguara não era apenas uma estação de trem. Em 1887, a Cia. Mogiana havia conseguido do governo uma concessão por 10 anos para explorar a navegação no Rio Grande num trecho de 160 km até a foz do rio Sapucaí. A empresa pretendia utilizar o rio para recolher e distribuir as mercadorias para os seus trens-de ferro em Jaguara. Entre elas, milhares de sacas de sal grosso usadas pelos criadores de gado da região.

O Rio Grande não facilitava muito as coisas. Antes da construção das grandes barragens que hoje interrompem seu curso, era um rio de águas agitadas. Na época da seca, surgiam no seu leito diversas corredeiras com poucos canais navegáveis: “Soledade”, “Pedras de Amolar”, “Barra Rica” e assustadora “Cachoeira dos Junqueira”. Durante as cheias, as águas encobriam as pedras, formando turbilhões e escondendo armadilhas para os barcos. Por mais de um ano, um grupo de engenheiros e operários da Mogiana trabalhou ao longo do rio, dinamitando obstáculos e desviando o curso das águas para facilitar a navegação. Um jovem engenheiro, Dr. Armando Barreto, de 26 anos de idade, pagou com a vida pela ousadia de se divertir nas águas do rio, tragado pela correnteza das Pedras de Amolar em setembro de 1887.

Apesar desse infortúnio, a Mogiana não desistiu. Um mês depois, chegou ao Rio Grande o vapor “Jaguara”, com roda de popa, primeira das três lanchas encomendadas ao estaleiro inglês Thorneroft para operar no trecho. Sua viagem inaugural contou com as presenças do presidente da empresa, João Ataliba Nogueira, e do engenheiro-chefe Joaquim Ribeiro Lisboa. A inédita passagem de um barco a vapor pelas águas do Rio Grande foi efusivamente saudada pelos moradores das povoações ribeirinhas. No início de 1888 juntou-se ao “Jaguara” o rebocador a hélice “Sapucahy-Mirim”, mais moderno, projetado para puxar barcaças e batelões de carga.

O Rio Grande não seria vencido com facilidade. Naquela fatídica tarde de 22 de novembro, suas águas já começavam a engrossar com as chuvas do final do ano. Meia hora após deixar o porto da Bocca Grande, o “Sapucahy” começou a descer a corredeira da Soledade. Um redemoinho de água o desviou do curso, o casco bateu em uma pedra e o barco virou no meio do rio. Morreram afogados os dois passageiros, um foguista e o maquinista do rebocador. Salvaram-se a nado o piloto e um marinheiro. Toda a carga perdeu-se.

Nos dois anos seguintes, a Mogiana ainda manteve ativo seu serviço de navegação para tentar preservar a concessão. Mas o naufrágio roubara a confiança dos clientes, e os barcos acumulavam prejuízos. Em abril de 1889, com a chegada dos trilhos à cidade de Uberaba, a demanda de cargas caiu e a situação ficou insustentável. Pouco tempo depois, os barcos foram desativados. Nas décadas seguintes, o Porto de Jaguara continuou a ser usado por pescadores, que despachavam pelos trens da Mogiana os peixes fisgados no Rio Grande.

(André Borges Lopes – Texto publicado originalmente na coluna Binóculo Reverso do Jornal de Uberaba em 15/09/2019 – Foto do site www.turismorifaina.com.br)


Fanpage: https://www.facebook.com/UberabaemFotos/

Instagram: instagram.com/uberaba_em_fotos

Cidade de Uberaba

terça-feira, 20 de agosto de 2019

A IMPONENTE ESTAÇÃO DE JAGUARA

Em março de 1888 a locomotiva a vapor "Minas Gerais" da Companhia Mogiana cruzou o Rio Grande e chegou ao Triângulo Mineiro. Menos de um quilômetro depois da ponte, ainda próximo às barrancas do rio, havia sido erguida a estação de Jaguara. Era a segunda estação da empresa a ser aberta na província de Minas Gerais: a pioneira havia sido Caldas (mais tarde renomeada Poços de Caldas), inaugurada em outubro de 1886. Formalmente, a estação Jaguara marcava o final da “linha do Rio Grande” da companhia. Dali em diante, os trilhos pertenciam à “linha do Catalão”. A Mogiana tinha a concessão do governo para estender sua ferrovia até essa cidade no sul de Goiás, mas acabou encerrando sua linha em Araguari, onde chegou em 1896.

     A estação de Jaguara em registro sem data, já no período final das operações, início da década de 1970. Foto de coleção particular.


A estação de Jaguara em registro sem data, já no período final das operações, início da década
de 1970. Foto de coleção particular.


Reprodução de trechos do jornal"Gazeta de Uberaba" do dia 10 de março de 1888.


Reprodução de trecho do jornal "A Província de São Paulo"

Reprodução de trecho da "Revista Ferroviária" de abril de 1888.


  Foto recente de satélite do Google Earth, vendo-se à esquerda a ponte de Jaguara sobre o Rio Grande e à direita as construções remanescentes da estação de mesmo nome.

Localizada em um local deserto, sem nenhum povoado ou cidade por perto, as instalações da estação de Jaguara impressionam pela seu tamanho e imponência. O prédio principal é mais amplo e mais bonito do que o da estação que foi erguida no ano seguinte em Uberaba (que, na época, era maior cidade de toda a região). Os terrenos para construção dos pátios de manobra, armazéns e uma vila ferroviária foram cedidos pelo Coronel Manoel Pereira Cassiano, residente em Uberaba. Apesar do estado precário de conservação, alguns desses prédios resistem até hoje ao abandono.

Há uma explicação para esse aparente exagero. Jaguara não era somente uma estação de trem. A Cia. Mogiana havia conseguido do governo também a concessão para explorar a navegação no Rio Grande. A 300 metros do prédio da estação, já abaixo das pedras e corredeiras da região da ponte, a empresa construiu um atracadouro de barcos. De lá, descendo o rio, era possível navegar até os portos fluviais de Boca Grande, Santa Rita do Paraíso (Igarapava), Ponte Alta (nas proximidades de Delta) e Espinha (um pouco abaixo do atual Distrito Industrial 3 de Uberaba). A Mogiana pretendia utilizar esse trecho do rio para recolher e distribuir as mercadorias transportadas pelos seus trens em Jaguara. Entre elas, sacas de sal grosso para os criadores de gado da região.

Segundo documentos da época, foram trazidos para o Rio Grande ao menos dois pequenos barcos e vapor e batelões para realizar esse trabalho. Mas a iniciativa não deu resultado. Antes da construção das represas, o Rio Grande tinha diversas corredeiras e águas bastante agitadas, em especial nas épocas de cheia. Um dos barcos naufragou poucos meses depois do início das operações e a Mogiana desistiu do projeto. Uma curiosidade é que, por algumas décadas, a estação teria se tornado um ponto de embarque para peixes pescados no Rio Grande.

A interrupção da ferrovia da Mogiana no início de 1970 pelo lago da represa de Jaguara selou o destino da estação. Transformado em um ramal da linha que alcançava Uberaba por Igarapava, o trecho entrou em rápida decadência. Um acidente ferroviário com dezenas de vítimas ocorrido no final do mesmo ano pôs fim ao tráfego de passageiros. O transporte de cargas encerrou-se por volta de 1975, e a linha foi desativada.

(André Borges Lopes)


Há mais informações sobre a estação no site Estações Ferroviárias do Brasil

Os créditos das imagens estão nas legendas.


==========================



Em 1971, a antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro foi incorporada à empresa estatal paulista Fepasa. Na década de 1990, todas as linhas de longo curso remanescentes da Fepasa foram transferidas para a Rede Ferroviária Federal e, em seguida, divididas em lotes e privatizadas. O Arquivo Público do Estado de São Paulo, conseguiu que os acervos históricos das antigas empresas ferroviárias paulistas ficassem sob sua guarda. Nesse acervo, encontrei algumas fotos originais das linhas de trem da Cia Mogiana no Triângulo Mineiro.



História, causos e memória: acesse www.uberabaemfotos.com.br

Cidade de Uberaba

domingo, 18 de agosto de 2019

A PRIMEIRA PONTE FERROVIÁRIA DO TRIÂNGULO MINEIRO

Quase todo mundo em Uberaba conhece a velha ponte metálica sobre o Rio Grande que liga a cidade de Delta a Igarapava. Ela foi, por décadas, uma ponte rodoferroviária: por ali passavam os trens da Cia Mogiana (mais tarde Fepasa) entre 1915 e 1977, mas também os carros, caminhões e ônibus da BR-050. Até 2001, quando foi inaugurada uma ponte nova na rodovia.

     Trem de passageiros da Cia Mogiana cruzando o Rio Grande sobre a ponte de Jaguara. Foto sem data, do acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Bem menos gente sabe da existência uma outra ponte ferroviária, quase trinta anos mais antiga, que atravessa o Rio Grande em Jaguara (num trecho coberto de pedras, um pouco abaixo da barragem da usina hidroelétrica de mesmo nome). Inaugurada em maio de 1888, ainda no tempo do Império, foi a primeira ligação entre o norte da então “Província de São Paulo” com o Triângulo Mineiro. Mais estreita que a estrutura de Igarapava, só dava passagem a trens ou pedestres. Cruzando essa ponte, chegou em Minas Gerais a primeira linha de trens da Cia Mogiana, que vinha de Ribeirão Preto por Batatais, Franca e Rifaina. Depois de cruzar o rio, a ferrovia acompanhava a baixada do vale até as proximidades de Sacramento, cruzava a cidade de Conquista e chegava a Uberaba passando pela estação de Peirópolis (na época chamada "Paineiras").

     Detalhe de um mapa do Ministério da Viação e Obras Públicas mostrando as ferrovias paulistas em dezembro de 1913. É possivel ver o traçado das duas linhas da Cia Mogiana que chegavam a Uberaba: a mais antiga por Jaguara e a nova (ainda em construção) por Igarapava.

Com a inauguração (em outubro de 1915) da variante de Igarapava, mais curta e moderna, a velha linha férrea de Jaguara foi perdendo movimento e importância. Mas, nas revoluções de 1930 e 1932, as duas pontes foram palco de combates entre tropas mineiras e paulistas. Em meados dos anos 1960, o lago da represa de Jaguara inundou a antiga cidade de Rifaina e interrompeu alguns quilômetros da linha no lado paulista.

      Cartão Postal da Ponte de Jaguara da Cia Mogiana no início do Seculo XX. Foto dos arquivos da Agência Turismo Rifaina (www.turismorifaina.com.br)

A Mogiana não se interessou em refazer a ferrovia em novo traçado, e desativou o tráfego na ponte. O trecho Uberaba-Jaguara foi transformado em um ramal – que ainda operou precariamente por alguns anos. Hoje, 131 anos depois de aberta, a velha ponte de metal ainda segue de pé, embora em ruínas.

     A ponte em ruínas, em foto recente do Google Earth. Ao fundo, a barragem da usina hidroelétrica de Jaguara.

Os créditos das imagens estão nas legendas das fotos.

(André Borges Lopes)






Cidade de Uberaba


quarta-feira, 14 de agosto de 2019

CONSTRUTORES DE PONTES

Imagens resgatadas dos arquivos da Companhia Mogiana.


A primeira é bastante conhecida: mostra as obras da ponte rodoferroviária sobre o Rio Grande, ligando Igarapava (SP) e Delta (MG), na época ainda pertencente ao município de Uberaba.

Nessa versão em alta resolução é possível ver alguns detalhes do processo de construção e, principalmente, os destemidos trabalhadores que erguiam as estruturas, sem qualquer preocupação com a segurança individual – algo impensável nos dias de hoje. A legenda original nos revela a data (20 de abril de 1915) e o também nome do fotógrafo: O. Pasetto.

Construção da ponte rodoferroviária da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro entre Igarapava (SP) e  Delta (MG) em 20/04/1915. Crédito: O. Pasetto./ acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo

  Detalhe da construção da ponte rodoferroviária da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro entre Igarapava (SP) e Delta (MG) em 20/04/1915.

   Construção da ponte ferroviária da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro sobre o Rio Uberaba no trecho entre entre Uberaba e Uberlândia (MG), circa 1894.

 Detalhe da construção da ponte ferroviária da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro sobre o Rio Uberaba no trecho entre entre Uberaba e Uberlândia (MG), circa 1894. 

   Ponte ferroviária da antiga Cia. Mogiana de Estradas de Ferro sobre o Rio Uberaba no trecho entre entre Uberaba e Uberlândia (MG). Foto de 2016. Crédito: Google Earth.

Nota-se ainda um detalhe curioso, que pouca gente conhece: a falta do último vão metálico do lado de Igarapava. A Cia Mogiana mudou o traçado da ferrovia depois que a estrutura da ponte já havia sido encomendada na Europa. No novo local de travessia, o rio era ligeiramente mais largo e foi preciso adicionar um quinto vão à ponte. Com o início da 1ª Guerra Mundial, foi impossível comprar essa estrutura extra, e a ponte teve de ser inaugurada (em outubro de 1915) com um vão provisório, feito em madeira. Só depois de 1919 ele foi substituído pela estrutura metálica (um pouco menor que as outras quatro) que está lá até hoje.

A segunda imagem é mais antiga e bem menos conhecida: mostra a construção da ponte sobre o Rio Uberaba, já no trecho Uberaba-Uberlândia da ferrovia. A foto não tem data, mas deve ter sido tirada por volta de 1894, quando esse prolongamento estava sendo construído (foi inaugurado em 1895). É possível que seja a mesma ponte que se encontra lá até hoje, cruzando o rio logo atrás da pedreira da empresa Jasfalto, e que pode ser vista do alto no Google Earth.

Não achei na Internet fotos recentes dessa ponte. Que não deve ser confundida com a outra que passa sobre o Córrego Alegria (um afluente do Rio Uberaba) na antiga linha Uberaba-Ibiá, inaugurada em 1925 – onde aconteceu o famoso acidente que deixou a cidade sem água por semanas em 2003.

Crédito das imagens PB: acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

(André Borges Lopes)

                             ==========================

Em 1971, a antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro foi incorporada à empresa estatal paulista Fepasa. Na década de 1990, todas as linhas de longo curso remanescentes da Fepasa foram transferidas para a Rede Ferroviária Federal e, em seguida, divididas em lotes e privatizadas. O Arquivo Público do Estado de São Paulo, conseguiu que os acervos históricos das antigas empresas ferroviárias paulistas ficassem sob sua guarda. Nesse acervo, encontrei algumas fotos originais das linhas de trem da Cia Mogiana no Triângulo Mineiro.


Fanpage:  https://www.facebook.com/UberabaemFotos/

Instagram: instagram.com/uberaba_em_fotos


Cidade de Uberaba