Volkswagem Sedan 1200 modelo 1959 |
Embora estejam ficando raros nas cidades, os pequenos e simpáticos Sedãs Volkswagen ainda têm lugar cativo na memória dos brasileiros. Mesmo entre os jovens, são raros os que não conviveram com pelo menos um Fusquinha na família ou entre os amigos. Se o assunto forem as Kombis, então nem se fala: fora de fabricação desde o final de 2013, há centenas de milhares delas ainda no batente, fazendo serviços pelo Brasil afora.
Do início dos anos 1960 ao final da década seguinte, Fuscas e Kombis foram os donos das ruas brasileiras. Somados, representavam cerca de um terço da frota nacional. Mas muita gente não sabe que esses robustos veículos de origem alemã – o Fusca deriva de um projeto de carro popular de antes da 2ª Guerra – enfrentaram muito preconceito quando começaram a chegar no Brasil na década de 1950. E em Uberaba não foi diferente.
Jornal Lavoura e Comércio, 27 de julho de 1958
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Até 1955, praticamente
todos os carros que rodavam no Brasil eram importados. No máximo, chegavam em
pedaços e eram montados aqui, usando poucas peças de fabricação nacional. Eram,
na maioria, modelos norte-americanos de grande porte, com quatro portas e
enormes motores dianteiros para carregar o peso da lataria. Custavam caro e
bebiam sem moderação uma gasolina também cara e importada. Nos anos seguintes,
isso começaria a mudar com o início da indústria automobilística no Brasil.
Em Uberaba, a oficina do
Sr. Sílvio Mendonça – na Av. Fernando Costa – já tinha uma boa fama no setor de
reparos quando, em 1954, começou também a comprar e vender carros usados. Três
anos depois, a empresa conseguiu a representação da fábrica Volkswagen para a
região. Até então, havia alguns poucos carros da marca no País, importados
inicialmente pela empresa Brasmotor. Em setembro de 1957, a Volkswagen do
Brasil começou a produzir localmente a perua Kombi. Em fevereiro do ano
seguinte, o próprio Silvio Mendonça foi a São Bernardo do Campo e voltou
trazendo uma Kombi VW nacional para nossa cidade.
Jornal Lavoura e Comércio, 19 de janeiro de 1959
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Com seu formato
característico de “pão de forma”, lataria leve, motorista muito à frente e um
pequeno motor traseiro de 1200 cc o novo veículo causou estranheza. Para seus
detratores ela era frágil e insegura: “para-choque de Kombi é a canela do
motorista”, diziam. Logo ganhou apelidos maldosos: “Jesus te chama,
mata-família, formicida Mendonça”, nos conta Hilda, irmã de Sílvio, de
prodigiosa memória. Mas sua grande capacidade de carga e passageiros, a
facilidade com que enfrentava as piores estradas de terra e, sobretudo, a
economia de combustível e a manutenção barata se impuseram sobre a
maledicência. Em julho, quando já havia mais de 20 delas rodando pela cidade,
Silvio anunciou que em breve começaria a trazer também os primeiros
“carros-passeio” da VW. E abriu uma lista de espera para os interessados.
“Ainda não existiam os
caminhões-cegonha”, nos conta Gilberto Salomão, funcionário e mais tarde sócio
de Sílvio no negócio. “Na sexta à noite a gente saía de Uberaba numa Kombi da
revenda e ia até São Paulo. No dia seguinte pela manhã, pegávamos os carros na
fábrica de São Bernardo e voltávamos dirigindo. O Fusquinha 1200 era muito
econômico: gastava menos de 40 litros de gasolina na viagem, uma façanha para a
época”. O asfalto só chegava até Ribeirão Preto, dali em diante estradas de
terra. O primeiro Fusca chegou à cidade no dia 17 de janeiro de 1959 e foi
notícia no jornal Lavoura e Comércio. Dois dias depois foi entregue ao primeiro
nome da lista: o engenheiro Antonio Ronaldo Rodrigues da Cunha, que já era
feliz proprietário de uma Kombi.
Silvio continuou na
revenda até meados de 1961, quando o controle foi vendido para a família
Martins. Nos anos seguintes, assumiu a representação de fábricas de tratores e
montou em sociedade alguns empreendimentos agropecuários. Mas não ficaria muito
tempo longe dos carros da VW: em 1968 comprou a revenda da marca em São Joaquim
da Barra, que comandou até seu falecimento, em outubro de 1988.
(André Borges Lopes é
jornalista, especializado em produção gráfica, uberabense e historiador nas
horas vagas. Coluna publicada originalmente no Jornal de Uberaba, em
07/01/2018)