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quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Filmes de Hitchcock dos Anos 40


QUANDO FALA O CORAÇÃO
A Análise Psicanalítica



Guido Bilharinho

Filmes de Hitchcock dos Anos 40
Ao tempo em que realiza Quando Fala o Coração (Spellbound,
EE. UU., 1945), Alfred Hitchcock já havia feito pelo menos seis
outros filmes nos Estados Unidos.

Essa sua primeira fase estadunidense, finalizada em Agonia de
Amor (The Paradine Case, 1947), possui características diferentes
daquela iniciada com Festim Diabólico (Rope, 1948), que inaugura
seu período áureo, terminado com Os Pássaros (The Birds, 1962),
período, contudo, entremeado de filmes destituídos de valor, a
exemplo do frustrado e frustrante A Tortura do Silêncio (I Confess,
1952) e do muito pior ainda Sob o Signo do Capricórnio (Under
Capricorn, 1949).

A mencionada primeira fase singulariza-se pela utilização do
preto e branco, recursos financeiros e técnicos acanhados, forte
influência da produção, e, principalmente, procura e preparo de
caminho para pleno amadurecimento e domínio da arte
cinematográfica.

Com tudo isso, a maioria de seus filmes dessa época já apresenta
bom cinema conquanto ainda não contenha a malícia, a complexidade
e o requinte temático e formal que caracterizam as obras posteriores.
Se em seus mais importantes filmes o tema não é propriamente o
objeto da ação, não passando esta de veículo ou de ilustração para
assunto mais importante, atinente à condição humana, em Quando
Fala o Coração a proposição é a própria estória. Ou seja, o cineasta
elege e contextualiza determinada problemática, sem prejuízo de
também atingir outras questões.

A questão, no caso, constitui o bloqueio que o consciente
estabelece por meio da amnésia como proteção do indivíduo contra
fato ou acontecimento profundamente traumático. A ação é a
exaustiva análise a que o protagonista é submetido em todo o decorrer
do filme para furar esse bloqueio e restabelecer a plena consciência e
purgação da memória.

Hitchcock desenvolve convencionalmente esse processo, porém,
de maneira segura, objetiva e técnica, sendo até criticado,
improcedentemente, por essa última particularidade. É que o cineasta
equilibra a terapia psicanalítica com outros elementos dramáticos, a
fim de não restringir o filme à pura sessão de análise.
Assim, em primeiro lugar e cinematograficamente, mistura-a
com as vicissitudes dos protagonistas passando por diversos lugares e
situações.

Enfatizando, pois, a particular situação do indivíduo
traumatizado na infância por episódio chocante e terrível, a ação
calcada no processo de sua análise psicanalítica revela o drama
subjacente.

Assinale-se que se o cinema mostra frequentemente fatos de
incrível e cruel violência, talvez nenhuma - nem mesmo a pungente
cena protagonizada pelo arquicriminoso de Os Suspeitos (The Usual
Suspects, EE.UU., 1995), de Bryan Singer - seja tão funesta e trágica
como a que, quase ao final do filme, ressuscita na obstruída memória
do protagonista o acontecimento que o traumatiza, marca e fragiliza
daí em diante.

Se o referido incidente, por todos os elementos que o compõem
e pela maneira contida e competente como é conduzido, provoca no
espectador considerável impacto, imagine-se sua intensidade no ânimo
de quem não só o presencia como, principalmente, o protagoniza!
Além desses temas centrais, que se fundem, como dito
(obliteração emocional e o processo de sua análise), o cineasta ainda
aborda duas outras questões também umbilicalmente ligadas à ação: o
amor e sua força como motivação e mola propulsora da ação, antes,
ainda, elemento propiciador de compreensão e confiança humana e,
finalmente, a ambição.

O amor permeia todo o filme, constituindo um do fios
condutores do enredo, o que se materializa no título brasileiro e,
possivelmente, no título original, que significa “encantado (a),
enfeitiçado (a)”, que, dada sua ambiguidade, tanto pode se referir ao
amor da heroína quanto ao trauma do protagonista, tudo indicando,
porém, concernir a este último.

A ambição desenfreada mostra a feia face do ser humano levado
por ela até mesmo a crime hediondo.

Assim, Quando Fala o Coração enfoca drama de amor e o
exercício de atividade que compartilha, por sua abrangência, dos
gêneros romance, policial e, ainda timidamente, do suspense. Sua
estruturação, condução da linha narrativa, enquadramentos, direção e
desempenho dos atores, segurança direcional geral e adequação
rítmica fazem com que o interesse do espectador mantenha-se
permanentemente desperto, não obstante a tecnicidade (conquanto
interessante) da dialogação dos acontecimentos desenrolada no
sanatório.

A salientar, ainda, os eventos ocorridos no saguão de grande
hotel novaiorquiano e a recorrente, e algumas vezes poeticamente
realizada, cena no trem. Como sempre, nos melhores filmes de
Hitchcock, feita apenas com os elementos e duração indispensáveis,
uma de suas características mais importantes.
(do livro O Cinema de Hitchcock e Woody Allen.
Uberaba, Revista Dimensão Edições, 2017)
______________
Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de
poesia Dimensão de 1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com) e
autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando
atualmente no Facebook os livros Obras-Primas do Cinema Brasileiro e Brasil: Cinco
Séculos de História.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Filmes de Hitchcock dos Anos 40

                                                      SUSPEITA

A Imaturidade e a Irresponsabilidade

Guido Bilharinho   
Mulher Inesquecível (Rebecca), de 1940.            
O primeiro filme estadunidense de Hitchcock é Rebeca, a Mulher Inesquecível (Rebecca), de 1940. Desde então prossegue sua atividade, atingindo o apogeu da carreira no período de 1948 a 1962, ano de Os Pássaros (Birds), em que pesem algumas obras anódinas e convencionais realizadas no período, como o inqualificável Sob o Signo do Capricórnio (Under Capricorn, EE.UU., 1949) ou como A Tortura do Silêncio (I Confess, 1952), mero filme policial apimentado com amor proibido e no qual o vilão, preconceituosamente, é alemão, como será francês em Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, 1955) e comunistas soviéticos e cubanos nos últimos filmes.

      Se em Rebeca ainda está excessivamente preso ao romance originário, por exigência, segundo consta, da produção, em Suspeita (Suspicion, EE.UU., 1941), se não pela primeira vez, já que se não conhece todos seus filmes britânicos, encontram- se os fundamentos da concepção de futuras grandes realizações. Já há o suspense, que se transformaria em marca registrada, bem como outros elementos de seu fazer cinematográfico, a exemplo de planejamento minucioso do desenvolvimento narrativo, de modo que atos e manifestações das personagens justifiquem, prevejam ou antecipem suas consequências. Não ocorrem, pois, gratuidades, improvisações e, muito menos, desperdício ou excesso de atos e diálogos. Não há demasias, mas, também, não são obstaculizadas a espontaneidade e a iniciativa das personagens conforme sua contextualização. Ao contrário, tais atributos não só são preservados, como, mais importante, cultivados e expostos, articulando-se a trama que, sem embargo de sua concentração sobre determinados fatos, apreende o núcleo nodal da natureza humana.

    Além disso, o que se tem de mais antecipador dos grandes filmes do futuro, representando verdadeira linha diretiva do cineasta e ponto central de sua concepção artística, é a focalização de viés, falha ou qualidade da natureza humana, de suas manifestações e possibilidades. No caso desse filme, a inconsequência, a imaturidade emocional e intelectual e a irresponsabilidade do indivíduo.
      Desse modo, como em suas grandes obras, a estória e o próprio suspense não constituem (e nem assim devem ser considerados) os aspectos mais importantes da realização.

      Trama e suspense não passam de meio ou de ambiência ficcional. Por trás ou além disso, o que se configura e se constrói é o modo de ser das personagens pautado de conformidade com sua constituição biotipológica, originando e derivando seus atos da índole de cada um.

      A partir daí arma-se o enredo, que mais não é do que a demonstração fática da natureza humana individualizada. O que se enfatiza não é o crime ou a ação, seu resultado e viabilidades, mas, causas comportamentais e genéticas, já que da motivação socioeconômica não se cogita. A trama emana e se organiza a partir desses ou sobre esses componentes e não o inverso.

                O indivíduo em ação, não conforme circunstâncias e conjunturas, mas, de acordo com íntimas e pessoais tendências e modo de ser.

     Ao invés da personagem situada (e sitiada) na e pela realidade, conformada a estritos limites, o indivíduo criando e desencadeando outra realidade, uma realidade para si, provocada pelos elementos preponderantes de sua estrutura biopsíquica.

      Em Suspeita, o protagonista concebe, organiza e desenvolve fantasia, não só sem fundamento na realidade, como, principalmente, em frontal conflito e oposição a ela.

    Na conexão desse choque, em muitos casos irreconciliável, baseiam-se alguns dos principais filmes de Hitchcock, que o são justamente por esses e outros atributos e características.

  Entre eles, perfeito domínio e dosagem dos recursos e possibilidades da linguagem cinematográfica, que se ainda não plenamente exercitados em Suspeita - que contém claras limitações técnicas e de produção – como posteriormente em obras futuras, evidenciam-se, porém, tão nitidamente nesse filme, que é possível considerá-lo o predecessor de todos os demais, por nele se encontrar, como lembrado, a matriz ou diretiva central da grande obra do cineasta.

(do livro O Cinema de Hitchcock e Woody Allen.
Uberaba, Revista Dimensão Edições, 2017)
               
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando atualmente no Facebook os livros Obras-Primas do Cinema Brasileiro e Brasil: Cinco Séculos de História.