No século XIX, ainda na monarquia, uma das maiores dificuldades para a população do do Brasil era conseguir estudar. Fora das grandes cidades, contavam-se nos dedos os estabelecimentos de ensino disponíveis, na grande maioria iniciativas particulares ou religiosas. Tanto o governo imperial como os das províncias dedicavam pouquíssima atenção à oferta de educação pública. O resultado desse descaso apareceu de forma dramática no primeiro recenseamento nacional, realizado pelo Império em 1870: 77% dos homens livres e 87% das mulheres livres não sabiam ler e escrever. Entre a população escrava esse número superava os 99%. No conjunto da população do país, 4 em cada 5 brasileiros eram completamente analfabetos.
O problema era ainda mais grave quando se pensa na oferta de escolas de nível médio ou superior. Num país que era essencialmente rural, qualquer jovem que desejasse estudar além do nível básico tinha como única opção mudar-se para uma capital ou matricular-se em um colégio interno. Cursos superiores eram ainda mais raros. Os filhos da aristocracia frequentemente buscavam instrução em Portugal ou algum outro país da Europa.
Por isso, era sempre saudada com entusiasmo a fundação de escolas nas cidades do interior. Não foi diferente quando, em 1º de outubro de 1854, o engenheiro Fernando Vaz de Mello anunciou a abertura do primeiro “Collegio Uberabense” (outro, com o mesmo nome, seria aberto em 1903). A escola foi montada em um pequeno prédio nas imediações da atual Praça Dom Eduardo, onde, décadas depois, instalou-se o Colégio Marista. Oferecia “Instrução Primária de 2º Grau” e “Ensino Colegial” – o que seria algo equivalente aos atuais Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Entre as disciplinas, Gramática, Latinidade, Francês, Geografia, Aritmética, Álgebra e Geometria. Havia ainda aulas de Catecismo Romano.
Em agosto do ano seguinte, o Colégio contava com mais de 100 alunos, dos quais 25 colegiais e 77 do ensino primário apresentaram-se para os exames de avaliação – realizados entre os dias 13 e 18. Um grupo de examinadores convidados reuniu-se no salão da Câmara Municipal para avaliar os estudantes. Compunham a banca, entre outros, o Cônego Hermógenes, o jornalista e historiador Borges Sampaio, o juiz de direito Manoel Pinto de Vasconcelos e o presidente da câmara Francisco Barcellos. Embora tenha havido algumas reprovações – na sua maioria de alunos matriculados há pouco tempo – relatos da época dizem que o resultado geral superou as expectativas.
Infelizmente, como era comum em Uberaba nessa época, a alegria durou pouco. Em 1856, Fernando Vaz de Mello envolveu-se na luta política local. Publicou um artigo no qual criticava a inoperância da Justiça e o número de assassinos e criminosos que circulavam impunemente pela província, muitos sob a proteção dos proprietários de terras e coronéis da região. O texto melindrou parte das famílias abastadas, que se sentiram ofendidas e passaram a dirigir ataques anônimos ao colégio e a seu diretor. Matrículas foram canceladas e, no ano seguinte, a escola fechou as portas, frustrando a população.
Fernando era um homem de posses e, por algum tempo, tentou permanecer na cidade. Entre 1857 e 1858, desenvolveu por conta própria um extenso levantamento dos rios Pardo e Mogi Guaçu, com o objetivo de implantar uma linha de navegação que oferecesse ao Triângulo Mineiro uma alternativa de transporte com os portos do Rio de Janeiro e Santos – na época feito em lombo de burro e carros de boi. O memorial foi publicado pela província de São Paulo em 1859, mas as sugestões de obras e melhorias nunca foram implantadas por falta de interesse e de verbas.
Não descobri a data exata em que Fernando Mello deixou o Triângulo. Aparentemente, mudou-se para a então capital mineira Ouro Preto, onde um de seus filhos, Cornélio Vaz de Mello (nascido em Uberaba em 10/01/1855) completou os estudos. Cornélio foi para o Rio de Janeiro, onde formou-se em Medicina em 1884. De volta a Minas Gerais, tornou-se professor de Anatomia e História Natural na Escola de Farmácia de Ouro Preto. Entrou para a política, filiando-se ao Partido Liberal e mudou-se para a nova capital, Belo Horizonte. Seguindo os passos do pai, fez parte do grupo de médicos que, em março de 1911, fundou a Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, ocupando a primeira vice-diretoria. Durante o governo de Delfim Moreira (1914-1918), o uberabense Cornélio exerceu o cargo de prefeito da capital mineira.
André Borges Lopes