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quinta-feira, 11 de junho de 2020

Maria Fumaça da praça da Mogiana será restaurada

A ação faz parte das comemorações dos 200 anos de Uberaba

A restauração da locomotiva é a primeira etapa da revitalização do Complexo Turístico da Praça da Mogiana. A ação vem de encontro às comemorações dos 200 anos de Uberaba e faz parte do projeto Geopark Uberaba -Terra de Gigantes. A criação do complexo turístico histórico e cultural da Mogiana é um trabalho em equipe da Prefeitura com envolvimento de secretarias de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Inovação (Sedec), Planejamento e a Fundação Cultural de Uberaba. Inclui o restauro e a proteção da locomotiva e a posterior reforma da Praça que terá pista de caminhada, playground e novo paisagismo.

Foto - Anne Nóbrega

O recurso para a reforma da Praça é proveniente do Edital de Apoio a Projetos de Infraestrutura Turística publicado pelo Ministério do Turismo por meio de convênio assinado com a Prefeitura. O prefeito Paulo Piau ressaltou a importância dessa ação já que Uberaba é considerada rica no contexto histórico. “Se tem uma coisa importante na cidade de Uberaba é a sua história. Uberaba é diferenciada de muitas cidades do seu porte ou até de cidades de porte maior. Nós temos jornais centenários que poucas cidades têm no Brasil, como é o caso do Lavoura e Comércio. A locomotiva que agora está sendo restaurada, por exemplo, segundo informações de especialistas, é um modelo raro, existindo apenas cinco no mundo”, pontua Piau.

Foto - Anne Nóbrega

“Chegando a Uberaba, serviu ao nosso desenvolvimento e se aposentou. Então, é importante valorizarmos essa história, cuidando desse patrimônio com a execução dessa restauração. Mas não só isso, pois é preciso aqui uma cobertura para protegê-la e valorizar seu entorno, para que as pessoas queiram visitar o espaço, conhecer essa história e a Maria Fumaça, que vai estar livre para a foto, trazendo a família e a criança para vivenciar melhor o local. O restauro é um resgate. Estamos muito felizes por preservar a história da nossa cidade”, afirma o prefeito.


Foto - Anne Nóbrega

De acordo com a diretora de Turismo da Sedec, Erika Cunha, no credenciamento da proposta ao Ministério do Turismo, houve o reconhecimento da importância do local que será mais um sítio histórico e cultural integrante do projeto Geopark. “Esse ponto da Mogiana conta parte da história da cidade. A linha férrea trouxe sonhos, pessoas e negócios. Por meio da criação de novos roteiros e da importância do projeto Geopark Uberaba, que almeja a chancela da Unesco, a reforma da praça e restauro da locomotiva Mogiana permitirá agregar mais um sítio histórico e cultural para a cidade. O restauro que é feito pelo Grupo Oficina de Restauro de Belo Horizonte é o pontapé para o resgate dessa história. O prazo previsto para a restauração é de três meses e o processo licitatório para a reforma da Praça já está aberto”.

Foto - Anne Nóbrega

Para a presidente da Fundação Cultural de Uberaba, Jaine Basílio, um marco nas comemorações de 200 anos da cidade que não devem ser esquecidas. “Por causa da pandemia, estamos nos esquecendo dessa grande comemoração na cidade e que a Prefeitura continua com a programação normal. Temos que comemorar mais essa grande ação”.

Foto - Anne Nóbrega

Em 1993, pela Lei 5.347 de 13 de maio, foi tombada como Patrimônio Histórico da cidade. Maria Fumaça é o nome dado a locomotiva movida à carvão, pela fumaça que a combustão do carvão provoca. Foi importada da Inglaterra e identificada por “tipo 301” (Decreto n.º1901/1999). É uma das cinco máquinas tipo A-6-0/Tenwheel, fabricada por BeyerPegcock, que a Companhia Mogiana possuía.

Jorn. Izabel Durynek
10/06/2020

domingo, 16 de fevereiro de 2020

AS MUITAS MORTES DO CAPITÃO SILIMBANI

Corria o ano de 1908 e as novidades sobre os voos de Santos Dumont em Paris com seus aparelhos “mais pesados que o ar” chegavam a Uberaba por jornais e revistas, atiçando a imaginação das pessoas. Os primeiros aviões eram um sonho distante, mas a possibilidade de ver um homem voando estava cada vez mais perto: circulava a notícia de que em breve chegaria na “Princesinha do Sertão” o arrojado aeronauta Jose Silimbani – capitão do Real Corpo de Aeróstatos da Itália – que, desde o ano anterior, assombrava os brasileiros com suas exibições aéreas com o balão de ar quente “Colosso”.

Desenho e dados técnicos de um balão de ar quente do tipo Montgolfier, do século XVII.

Não existem fotos do balão de ar "Colosso "do Capitão Silimbani. Mas não devia ser muito
diferente desse que aparece sendo inflado em um Circo Aéreo no estado do Nebraska, EUA, em 1910.


Outra imagem de uma apresentação de balão de ar quente nos EUA no início do século XX.

O balão de Giuseppe Silimbani não tinha cesto de passageiros.
 Em vez disso, havia um par de trapézios pendurados, nos quais ele fazia acrobacias nas alturas. Um tipo de show comum nessa época.

Giuseppe Silimbani e sua primeira esposa Antonietta Cimolini. O casal de italianos compartilhava o gosto pela música e por esportes radicais. Em 1902, mudaram-se para Buenos Aires, na Argentina.

Na Argentina, Giuseppe tornou-se o Capitão Jose Silimbani. O casal apresentava-se em acrobacias aéreas, com o patrocínio de uma fábrica de cigarros. Em março de 1904, um acidente tirou a vida de Antonietta, mas os jornais brasileiros "mataram" o capitão.


Em 1907, Jose Silimbani veio ao Brasil fazer uma temporada de exibições. Após apresentar-se na capital paulista, tomou o trem da Mogiana e evenredou pelo interior até chegar em Uberaba.

A primeira versão do assassinato, divulgada pela imprensa de Uberaba, foi reproduzida em diversos jornais no Brasil e no exterior. A investigação policial mostrou que a história real era bem diferente.


Balões de ar quente não eram uma novidade. Reza a lenda que o Padre Bartolomeu de Gusmão, um brasileiro da cidade de Santos, teria colocado alguns para voar Lisboa no início do século XVIII. Algumas décadas mais tarde, em 1783, os irmãos franceses Joseph e Étienne Montgolfier criaram um modelo prático e popularizaram seu uso. Por volta de 1900, eram comuns as exibições de voos desses aeróstatos por artistas e aventureiros em todo o mundo.

Depois de apresentar-se com sucesso nas cidades de Campinas, Ribeirão Preto e Franca, o capitão finalmente chegou a Uberaba de trem. Desembarcou seus equipamentos, hospedou-se no elegante Hotel do Comércio da Rua Vigário Silva e anunciou o local escolhido para sua apresentação: o Largo das Mercês, atual Praça Dom Eduardo. Ingressos para o evento foram vendidos a 8 mil reis para adultos, 1 mil réis para crianças. Às duas da tarde do dia 3 de maio, um domingo, Silimbani inflou seu balão e ganhou os céus. Dezenas de metros acima do solo, pendurou-se em um trapézio e exibiu-se em um show de arriscadas acrobacias. De volta ao solo, foi recebido em triunfo pela multidão, embora alguns tenham reclamado da pequena duração do show.

O balonista havia sido contratado pela companhia teatral de Manuel Balesteros para fazer duas apresentações na cidade. A segunda ascensão seria no domingo seguinte, dia 10. Mas no sábado à noite aconteceu o impensável: o destemido capitão, gravemente ferido por um tiro de garrucha que lhe atingira o baço, agonizava em seu quarto de hotel. Nos dias seguintes, jornais de todo o Brasil anunciaram a morte do aeronauta em Uberaba, assassinado após uma briga.

Silimbani tinha 34 anos de idade, e não era a primeira vez em que perdia a vida, ao menos na imprensa brasileira. Em março de 1904, vários jornais de São Paulo e do Rio anunciaram sua morte ao despencar nas águas do Rio da Prata durante uma apresentação em Buenos Aires. O acidente causou grande comoção porque o corpo desapareceu e demorou a ser encontrado, mas não fora ele quem morrera. A vítima era sua jovem esposa, a também italiana Antonietta, parceira nas exibições aéreas. O casal tinha um filha, na época com cinco anos de idade.

Giuseppe Silimbani nasceu na cidade de Forli, na Emília Romana e começou a vida como padeiro. Tenor aficionado e esportista em diversas modalidades, logo interessou-se pelo balonismo. Em 1898, casou-se com Antonia Cimolini, natural da Ravena, com quem compartilhava o gosto pela música e pelo esporte. A dupla começou a apresentar-se pela Itália mas, em 1902, decidiu vir para a Argentina – onde Giuseppe tornou-se “Jose” e inventou o fantasioso título de “capitão”. No ano seguinte, os dois já eram razoavelmente famosos: com o patrocínio de um fabricante de cigarros, exibiam-se em diversas cidades. São considerados precursores da aeronáutica no país vizinho.

Com a morte da esposa e parceira, Silimbani seguiu apresentando-se sozinho. No final de 1907, já casado novamente, deixou a família em Buenos Aires e arriscou-se em uma temporada de shows aéreos pelo Brasil. Fez diversas exibições em Santos e São Paulo, onde apresentava-se no Parque Antárctica e logo tornou-se um ídolo da comunidade italiana, que o tratava como "o homem mais corajoso do mundo". No final de janeiro de 1908, deu início a uma sequência de shows pelo interior, seguindo os trilhos da Companhia Mogiana até chegar em Uberaba.

A última morte do Capitão Silimbani aconteceu na imprensa. Seus assassinos espalharam a notícia de que, no início da tarde do sábado, o italiano havia ofendido e importunado diversas mulheres da cidade. Por fim, invadira a casa e tentara violentar a esposa do seleiro Joaquim da Cunha que, vindo em seu socorro, lutou com o agressor e acabou lhe dando o tiro fatal. Essa versão foi reproduzida em diversos jornais brasileiros.

A investigação mostrou que os fatos não correram bem assim. Ouvidas pelo delegado, nenhuma das outras mulheres confirmou as tentativas de assédio. O inquérito apurou que Joaquim e Marina, chegados há poucos meses da cidade mineira de Guaranésia, moravam nos fundos da ferraria do Sr. Antonio Felix, no Largo das Mercês, onde o balonista montava seus equipamentos. Na ausência do marido, que saíra para fazer um serviço nas imediações, o italiano teria dirigido alguns galanteios e propostas a Marina – que não tiveram boa acolhida. Alertado do fato por vizinhos, o seleiro voltou ao local armado com uma garrucha.

Silimbani anda tentou refugiar-se na ferraria, onde foi espancado pelo proprietário e por um outro funcionário, que era primo de Marina. Já bastante machucado, acabou expulso para a rua, onde Joaquim disparou o tiro, evadindo-se em seguida. Apesar de socorrido no prédio do Ginásio Diocesano, os médicos lhe deram poucas esperanças. Levado ao hotel, morreu no início da noite e foi enterrado em Uberaba no dia seguinte. O delegado pediu o indiciamento dos três pelo assassinato, mas não encontramos notícias do resultado do processo. Apesar de protestos isolados da comunidade italiana, muitos jornais não se preocuparam em desmentir a primeira versão.

(André Borges Lopes – Uma primeira versão desse artigo foi publicada na coluna Binóculo Reverso em 02/02/2020. Um agradecimento especial ao João Araújo, do Arquivo Público de Uberaba, que ajudou a recuperar essa história)

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

HENRIQUE DES GENETTES: UM AVENTUREIRO FRANCÊS NO SERTÃO DA FARINHA PODRE

Durante quase todo o século XIX, o “Sertão da Farinha Podre” e o sul da Província de Goiás compunham uma gigantesca terra de ninguém. Cenário único, misturava o pioneirismo violento das cidades do Velho Oeste americano – eternizadas nos filmes de bang-bang – com cenários selvagens e misteriosos das imensidões inexploradas da África. Poderia já ter rendido um sem número de romances, filmes e documentários. Tínhamos por aqui até mesmo alguns dos personagens mais curiosos desse tipo de narrativa: os aventureiros europeus que – sabe-se lá por quais motivos – deixavam o Velho Continente e vinham parar no que era, então, um legítimo fim-de-mundo.

Uberaba teve a sua cota de aventureiros. Um dos mais curiosos foi o francês Henrique Raimundo Des Genettes que, em sua longa existência pelos sertões, foi médico, cronista, explorador, mineralogista, geógrafo, líder político, administrador público, advogado, militar, jornalista, teatrólogo, educador e – finalmente – padre. Mas, ao contrário dos cowboys e desbravadores do cinema, esse herói sertanejo estava longe de ter o “physique du rôle” dos galãs de Hollywood. O memorialista Visconde de Taunay, a caminho da Guerra do Paraguai em 1865, o conheceu em Uberaba e foi impiedoso no relato: “apareceu-nos o Dr. Des Genettes a cavalo, carregando a sua fardinha esquisita de cirurgião da Guarda Nacional; feio, muito miudinho, muito magro, com os olhos esbugalhados sobre os quais havia uma enorme pala de boné (...) pronunciou um discurso engasgado, com pronunciado sotaque francês. Estava tão comovido que os joelhos lhe tremiam. (...) levou-me a tomar chá em sua casa, onde cantou ao violão ridículo dueto com a mulher. Conhecia alguma coisa de mineralogia e mostrou-me alguns cadernos destinados à imprensa”.

Talvez Taunay houvesse sido mais generoso se tivesse conhecimento da história prévia desse homenzinho, que tinha então 64 anos de idade e um nome de batismo imponente: François Henri Raimond Trigant Des Genettes. De sua vida na França sabe-se pouco. Nasceu em Pauillac, região de Bordeaux, em 1801. Seria descendente de Nicolas Dufriche, Barão Desgenettes, famoso médico das tropas de Napoleão, caído em desgraça após a derrota de Waterloo. Teria estudado Medicina na Universidade de Brest, mas não se sabe se concluiu o curso e os motivos que o trouxeram ao Brasil, onde chegou em 1835, como tripulante do navio francês MInerva – do qual foi expulso após matar, em duelo, um dos oficiais de bordo. Quatro anos depois, naturalizou-se brasileiro e foi morar em Ouro Preto, onde teve um breve casamento. Já viúvo, participou ativamente da Revolução Liberal de 1842, tendo ficado algum tempo preso junto com Teófilo Otoni, após a derrota do movimento.

Dois anos mais tarde, Des Genettes foi encarregado pelo governo imperial para explorar reservas salinas e nitreiras no Triângulo Mineiro. Na ocasião, visitou as cavernas de Sacramento e foi pioneiro em indicar as corredeiras de Jaguara como o melhor local para a construção de uma ponte sobre o Rio Grande – recomendação seguida quatro décadas depois pela Companhia Mogiana. Casou-se novamente em Araxá e tornou-se um dos primeiros moradores do garimpo de Bagagem (atual Estrela do Sul), de onde partia para pesquisar as reservas minerais do sul de Goiás e da Serra dos Cristais. Realizou também estudos sobre as possibilidades de navegação nos rios Pardo e Mogi Guaçu, em São Paulo, como alternativas de transporte rumo ao Triângulo.

Des Genettes - Foto: Arquivo Público Mineiro.

Des Genettes teria se mudado para Uberaba em 1854, onde estabeleceu-se como médico e boticário, em um sobrado na Rua Municipal (atual Manoel Borges). Tornou-se amigo do também farmacêutico e historiador português Antonio Borges Sampaio, com quem compartilhava a atração eclética pelas ciências humanas e naturais. Elegeu-se vereador, presidiu a Câmara Municipal e foi Agente Executivo (equivalente a prefeito) entre 1865 e 67. Fundou e lecionou em diversas escolas, apoiou a criação do Teatro São Luiz e escreveu peças para serem lá representadas. Esporadicamente, exerceu tarefas de defensor público e delegado de polícia. Organizou na região o recrutamento dos Batalhões Patrióticos que seguiram para a Guerra do Paraguai, ocasião em que conheceu Taunay. Foi um dos primeiros a propor a mudança do nome da região para "Triângulo Mineiro", e também a sua separação de Minas e incorporação à província de São Paulo.

Um dos seus maiores feitos foi a fundação de uma tipografia e do primeiro jornal uberabense: “O Paranaíba”, lançado em 1º de agosto de 1874 e logo renomeado “Echos do Sertão”. Dois anos mais tarde, após a morte da esposa, mudou-se para Goiás. Ordenou-se Padre em Pirenópolis, fundou e dirigiu escolas em Catalão* e Paracatu, onde elegeu-se deputado provincial. Em 1879, envolveu-se em uma confusão ao reprovar em seu colégio o filho de um delegado de polícia de Paracatu. Inconformado, o delegado queria expulsá-lo da cidade, onde só permaneceu graças ao apoio do Juiz de Direito da comarca, que lhe concedeu um "habeas corpus". Des Genettes faleceu dez anos depois, em 1889, no Distrito de Santo Antônio do Cavalheiro, nas imediações de Ipameri, do qual foi um dos fundadores.

(André Borges Lopes – artigo publicado originalmente na coluna "Binóculo Reverso" do Jornal de Uberaba, em 1ª/09/2019)

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Cidade de Uberaba

sexta-feira, 28 de junho de 2019

UMA PONTE NO PORTO CEMITÉRIO

Embora os trens de ferro tenham um lugar cativo no imaginário da cidade, Uberaba nunca deu muita sorte com as ferrovias. Já contamos aqui que a chegada da linha da Mogiana, proveniente de São Paulo, em 1889 causou uma revolução no comércio e nas comunicações da cidade – então considerada porta de entrada para o sertão brasileiro. Mas a relação com as ferrovias gerou grandes expectativas e causou muitas decepções.

A Companhia Mogiana era, provavelmente, a pior das grandes empresas ferroviárias paulistas. Em 1891, dois anos depois da chegada do trem a Uberaba, já havia reclamações de comerciantes em relação ao custo do frete e à baixa qualidade dos serviços. Uma carga despachada do Rio de Janeiro levava três meses para chegar à estação de Uberaba, mais tempo do que em lombo de burro. Frequentemente, faltavam vagões para transportar gado e produtos do Triângulo com destino a São Paulo.

O traçado sinuoso da ferrovia, que chegava a Uberaba dando a volta por Franca e cruzando o Rio Grande em Jaguara, explicava em parte as deficiências (a variante por Igarapava e Delta, só foi inaugurada em 1915). Outro motivo era a bitola estreita, que obrigava cargas e passageiros a trocar de trem em Campinas, já que o acesso a São Paulo, Santos e Rio de Janeiro era feito em linhas de bitola larga. Mas a principal razão era o monopólio da Mogiana, que operava na região sem concorrentes.

Desde de 1890 havia projeto da Estrada de Ferro Oeste de Minas abrir uma ligação entre o sul de Goiás e Angra dos Reis, entroncando em Barra Mansa com a linha Rio-São Paulo da Central do Brasil. Essa ferrovia passaria na vila de São Pedro de Alcântara (atual Ibiá), então distrito de Araxá. O prometido ramal Alcântara-Uberaba ofereceria ao Triângulo Mineiro uma concorrente à Mogiana no acesso aos portos oceânicos, além de uma via mais rápida para passageiros com destino ao Rio e a Belo Horizonte.

A promessa tardou e falhou. A linha só foi inaugurada em 1926 e conseguiu a proeza de ser mais lenta e ineficiente que a velha Mogiana: trens de passageiros levavam seis horas para chegar a Araxá e a falta de vagões de carga era crônica. Tampouco foi adiante a ferrovia que ligaria Uberaba a Coxim, no Mato Grosso. O projeto chegou a ser realizado, mas acabou substituído pela ligação Bauru-Corumbá. Em julho de 1914, em entrevista à “Revista Moderna” do Rio de Janeiro, o deputado uberabense Alaor Prata queixava-se das frustrações com as ferrovias e alertava: “por todos esses contratempos é que o povo já vai apelando para o automóvel e, quando se lhe fala em estradas de ferro, vem-lhe espontâneo num movimento de lábios, um sorriso expressivamente irônico.”

As deficiências da Cia. Mogiana haviam se tornado mais evidentes em 1909, quando a Companhia Paulista de Estradas de Ferro – famosa pelos bons serviços – chegou Barretos oferecendo trens de passageiros mais rápidos e fretes mais baratos. Para os poucos uberabenses que tinham automóvel, o modo mais rápido de chegar a São Paulo era seguir de carro até Porto Cemitério (nas barrancas do Rio Grande ao lado de Planura) onde havia uma balsa que atravessava para Porto Colômbia, em São Paulo. De lá, seguiam para Barretos, onde tomavam o trem da Paulista. Com a inauguração do Frigorífico de Barretos, em 1913, esse passou a ser também o caminho de boa parte das boiadas que vinha do sertão.

Em 1929, os trilhos da Cia. Paulista alcançaram Porto Colômbia. A possibilidade de que a ferrovia cruzasse o Rio Grande com destino Frutal, e de lá a Goiás, era vista pelos uberabenses com um misto de entusiasmo e temor. Mas a empresa nunca teve essa intenção: pretendia apenas que o governo construísse uma ponte rodoviária até Porto Cemitério, que facilitasse a chegada do gado e de mercadorias à estação de Colômbia. O projeto da ponte chegou a ser feito, mas a crise de 1929 e a revolução de 1930 impediram sua execução.

Por mais de 20 anos, a Cia Paulista seguiu operando a travessia com um sistema de balsas a vapor. Em 1948, nada menos que 236 mil cabeças de gado cruzaram o Rio Grande por elas com destino a São Paulo. Já no ano seguinte, teve início a construção da ponte, que só foi inaugurada no início de 1954. Mas, nessa altura, as ferrovias já estavam no longo processo de decadência, que se agravaria nas décadas seguintes.

(André Borges Lopes)


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Cidade de Uberaba


terça-feira, 15 de janeiro de 2019

CORRIDA DE TOUROS NA RUA DO COMÉRCIO

Já nos referimos à importância que teve para Uberaba a chegada da ferrovia em 1889. A linha pioneira da Companhia Mogiana deu à região uma opção de ligação com as grandes capitais do País muito mais rápida, segura e confortável do que havia até então. Mas nem tudo eram flores na relação dos uberabenses com o trem de ferro.

A Cia Mogiana era a mais problemática das empresas ferroviárias paulistas do século XIX . Embora sua rede de estradas fosse ampla, atendendo a uma das regiões cafeeiras mais ricas do estado vizinho, a empresa frequentemente dava prejuízos e os novos investimentos eram feitos a passo de tartaruga. Duas décadas depois de inaugurar a estação em Uberaba, a linha já chegava até Araguari, mas a qualidade do serviço estava longe de ser satisfatória.

Em 1909, a Cia Paulista de Estradas de Ferro – na época uma das melhores empresas do país – levou sua linha até a cidade de Barretos, e as comparações foram inevitáveis. Os mineiros queixavam-se que o custo dos fretes da Mogiana era muito mais alto que o da concorrente, e o serviço pior. Muitas locomotivas eram velhas e pouco confiáveis, havia falta de vagões para atender as encomendas, os trens de passageiros atrasavam com muita frequência.

Para piorar, a ligação de Uberaba com o ramal da ferrovia Oeste de Minas em Ibiá, prometida há décadas, não saia do papel. O que, na prática, dava à Mogiana o monopólio do transporte na região. O problema só seria amenizado em 1915, quando a Mogiana abriu a nova linha de Igarapava, e em 1926, quando foi entregue a ligação da Oeste de Minas.

Um dos grupos que mais queixas tinha em relação aos serviços da Mogiana era o dos criadores de gado. Na virada do século, os pecuaristas dependiam do trens para transportar para o Triângulo Mineiro seus preciosos reprodutores Zebu, trazidos de navio diretamente da Índia ou comprados de criadores no norte do estado do Rio de Janeiro, onde há décadas já fazia fama o gado indiano. Também usavam os trens para levar e trazer de volta o gado de alta qualidade que mandavam para exposições agropecuárias no Rio e em Belo Horizonte.


Cartaz da festa de San Fermin em Pamplona, Espanha, em 1909

O transporte para essas cidades era uma epopéia: o gado saia de Uberaba pela Mogiana, que ia somente até Campinas. A mudança de bitola na linha obrigava que as reses trocassem de vagão para seguir até a capital de São Paulo, onde eram novamente transferidos para a Central do Brasil, que os levava até o Rio. Se o destino fosse Belo Horizonte, era preciso fazer uma nova baldeação no meio do caminho, em Barra do Pirai. Somando tudo, o transporte levava de quatro a seis dias, nos quais o gado seguia balançando em vagões apertados, acompanhado por vaqueiros que lhes fornecia água e comida no trajeto. Um enorme estresse, mesmo para o rústico e resistente gado Zebu.

Nem sempre as coisas corriam bem. Em 1907, o capitão Joaquim Machado Borges foi visitar as fazendas de Cantagalo e Porto Novo do Cunha, no norte do Rio, com o objetivo de comprar reprodutores puro sangue para sua própria fazenda e para a do coronel José Caetano Borges. Entusiastas do Zebu, um ano antes, os dois tinham sido responsáveis pela promoção da primeira exposição de gado indiano em Uberaba, na Fazenda do Cassu, de Zeca Caetano. Despachado de trem, o gado deveria chegar na tarde de uma quinta-feira, dia 20 de junho.


Rua do Comércio (atual Artur Machado) em Uberaba, em 1904. Postal de Marcelino Guimarães.

O trem atrasou e chegou na cidade quando o sol já havia sumido no horizonte. A velha estação da Mogiana ficava no final da Rua do Comércio (atual Artur Machado). Prudente, o capitão Joaquim preferia não correr o risco de fazer o desembarque e atravessar a cidade com seu precioso gado durante a noite. Mas os funcionários da Mogiana foram irredutíveis, e não permitiram que a carga ficasse nos vagões até o amanhecer.

O resultado foi trágico. O zebus, estressados pela longa viagem, pularam dos vagões tão logo as portas foram abertas, sem que os vaqueiros pudessem contê-los. Duas reses morreram na queda e outras duas ficaram feridas. O restante da manada desceu a Rua do Comércio numa disparada rumo à Praça Rui Barbosa, colocando para correr em pânico e desespero os pedestres que estavam nas ruas da cidade. Alguns touros invadiram as casas comerciais que ainda estavam abertas e um deles só a custo foi retirado de dentro de uma barbearia, depois de causar ferimentos em alguns clientes. Ainda que sem querer, Uberaba teve seu dia de “Corrida de Toros”, como as da cidade espanhola de Pamplona.


(André Borges Lopes)









Cidade de Uberaba

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

PLANTA DA “VILLA CARLOS MACHADO”

Planta da “Villa Carlos Machado

Planta da “Villa Carlos Machado”, em 1892. Aparentemente, um novo loteamento em implantação logo acima da antiga estação e da linha férrea da Companhia Mogiana (inaugurada em 1889), que passava por onde é hoje a Rua Menelick de Carvalho. Os prédios da estação aparecem na parte inferior esquerda da planta.

Comparando a planta da época com um mapa atual das ruas, percebe-se que muitas delas mudaram de nome. O nome “Rua Cazuza” mudou de uma rua paralela da atual João Pinheiro para uma transversal, onde se encontra atualmente. E a “Praça da Boa Esperança” que se destaca no meio do loteamento, pelo visto, foi uma esperança que não se concretizou.

Nos anos 1950, a ferrovia foi afastada do centro da cidade e transferida para o lugar atual, depois da Villa Carlos Machado.


Do acervo do Arquivo Público Mineiro.


André Borges Lopes


Cidade de Uberaba