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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

CINEMA INDEPENDENTE DOS EE.UU. ” OS SUSPEITOS “

Cinema Independente dos EE.UU.
OS SUSPEITOS
OS SUSPEITOS


O filme policial é, em geral, destituído de qualidades cinematográficas. Normalmente enquadra-se num esquema comercial para atendimento de clientela específica, que se contenta e se compraz apenas com a linearidade e o convencionalismo das estórias.

Contudo, a par disso e mesmo assim, a tradição estadunidense do gênero aponta também para direção diversa e até oposta, conforme se dá no noir, quase categoria autônoma onde o fato criminoso não se desvincula de contexto mais abrangente, seja humano ou social, e nem é apresentado esquemática e superficialmente.

Nos dias que correm, o gênero policial tem encontrado, nessa filmografia, bons cultores nos quadros do cinema independente.

Além de outros, destacam-se Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992), de Quentin Tarantino, e Amateur (Idem, 1994), de Hal Hartley, exemplos maiores de gênero e de cinema que sempre se têm renovado, mesmo e principalmente quando parecem esgotadas todas suas possibilidades criativas.

Na mesma linha inventiva, incisiva e rigorosa dos paradigmas citados, mas, diferente deles no que tange ao entrecho, fatos e enfoque, destaca-se Os Suspeitos (The Usual Suspects, EE.UU., 1995), de Bryan Singer (1968-).

Conquanto utilizando a mesma espécie de criminoso e iguais métodos policiais, parece-se estar assistindo filme realizado em outro planeta, com seres diferentes, tal o inusitado da mancira de focalizar o assunto, a riqueza da diversidade tipológica, o vigor da linguagem cinematográfica, a eficiência dos cortes e a eficácia da montagem.

Mesclando presente real com passado veraz ou deliberadamente fementido em retrospectos pertinentes, a trama desenvolve-se em intensidade e interesse crescentes numa construção antes de tudo intelectual e poderosa, como raramente se encontra no cinema ou fora dele.

Em todos os elementos cinematográficos, desde o décor, em suas múltiplas ambientações, até a direção e desempenho dos atores, pontilhados por minudentes gestos, posturas e tiques nervosos das personagens, fotografia e iluminação, o filme perfaz composição cinemática completa (e complexa), que elide e everte a linearidade e o convencionalismo, sem deixar de contar uma estória.

E que estória! Até mesmo personagem saída dos fundos esconsos da atividade criminosa mais nefanda, Soze, é, repentina e habilmente introduzida no contexto, como se fosse algo efêmero como cometa que risca os céus, desaparecendo em seguida sem deixar rastros e sem alterar a ordem das coisas.

Isso na natureza, com meteoro distante. Não no filme, com Soze. Desde que surge, mesmo que apenas referenciado, só de relance antevisto e mal percebido em ação, transforma-se em personagem paradigmática e simbólica do filme policial.

O que, antes, parecia (mas não era e nunca fora) simples atos ilegais de quadrilha criminosa já nas garras de polícia onipresente, vai pouco a pouco adensando-se e complicando-se como montagem de quebra-cabeças.

O que parecia não era e o que de fato era não parecia ser. E o enigma e sua solução caminham paralelos numa realização brilhante e consistente como talvez não se tenha visto ainda nesse gênero cinematográfico.

Não há surpresa na revelação pelo modo sutil como ela se insinua. De argúcia e habilidade tais, que, ao espectador desatento, ou afeito apenas a acompanhar ação e fatos, pode passar despercebida.

É que esse filme representa, antes de tudo, construção intelectual cinematográfica e não simples filmagem de ação criminosa, de seus autores e da investigação policial.

Além de tudo, e para atestar que é obra totalizadora, na qual nada é descurado ou secundarizado, as cenas transcorridas no navio explodido e o décor onde se passam constituem momentos inesquecíveis de cinema e do cinema.


(do livro Cinema Contemporâneo dos Estados Unidos, em preparo)




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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura (poesia, ficção e crítica literária), cinema (história e crítica), história do Brasil e regional.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

FILMES DO IRÃ


A MAÇÃ


As Situações e Suas Circunstâncias


Guido Bilharinho
FILMES DO IRÃ



Uma das particularidades mais acentuadas, senão a mais reiterada de todos os possíveis e variáveis aspectos a serem considerados no cinema iraniano contemporâneo, é a eleição da temática familiar.


A abordagem das situações e suas circunstâncias concentra-se geralmente num acontecimento específico, problematizado ficcionalmente. Essa orientação possibilita extremada contenção fática, redundando em decorrente economia de meios e modos.


Se a primeira condição permite a viabilização cinematográfica dados seus baixos custos, a segunda restringe seu alcance formal e também técnico, embora este, do ponto de vista cultural e artístico, seja secundário, por instrumental.


Já no que tange à forma, a limitação atinge o cerne do fazer artístico, daí decorrendo, como vem acontecendo nessa filmografia, com algumas exceções, a prevalência da estória sobre a elaboração artística, em descumprimento à sua regra básica, que é sua razão de ser, isto é, a produção de beleza para atendimento do prazer estético, a mais alta consecução da inteligência e sensibilidade humanas.


Na ficção, que é o caso, sobreleva ainda seu urdimento, conteúdo e desdobramento, na apreensão e respeito às verdades da natureza humana.


Se no primeiro caso, o filme A Maçã (Sib, Irã, 1998), de Samira Makhmalbaf (1980-), deixa de atender aos requisitos mais imperativos da formalização artística, no segundo alcança o desiderato a que se propôs de construção e exposição de situação humana e familiar específica.


Se essa característica impõe-se desde logo e em todo seu decorrer, não é ela propriamente que deve ser notada e realçada, mas, sim, o depuramento com que se desenvolve e a espontaneidade e autenticidade demonstradas, que emocionam e encantam.


O drama familiar focalizado forma cosmologia peculiar, em que seus elementos constitutivos (casal e duas filhas gêmeas), orbitam em coordenadas próprias, perfeitamente entrosadas, até que a interferência do mundo exterior denuncia sua anormalidade.


A partir daí, a ação reparte-se em pelo menos dois níveis distintos, que se comunicam e se influenciam, determinando alteração no conspecto sedimentado. O núcleo familiar sofre, pois, acentuada mutação sob a ação externa, obrigando-o a sair de seu enclausuramento e a contactar e relacionar-se com o mundo, o outro elemento dessa confluência de situações e ações.


Além da delicadeza e sutileza com que se processa essa etapa da ação fílmica, ressalta-se a poetização de atos, gestos e do descarnado décor, em procedimento imagético que os valoriza para além da vizualização direta e imediata.


À frente da imagem não está somente o olhar mecânico da câmera, porém, o olhar humano e sensível do artista, atingindo o clímax na cena final, emblemática, que se descurada da estetização da imagem e da composição de sua sucessividade, não olvida a elaboração dos conteúdos que viabiliza.



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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de Literatura (poesia, ficção e crítica literária), Cinema (história e crítica), História (do Brasil e regional).

OBRAS-PRIMAS DO CINEMA BRASILEIRO






TODA   SEMANA,   A   PARTIR   DE   CADA   SEGUNDA-FEIRA,   JÁ   NO PRÓXIMO DIA 07, ARTIGOS SOBRE AS OBRAS-PRIMAS DO CINEMA BRASILEIRO POR ORDEM CRONOLÓGICA DA REALIZAÇÃO DOS FILMES.
ESSE LEVANTAMENTO VAI REVELAR UMA DAS MAIS TALENTOSAS E CONSISTENTES FILMOGRAFIAS DO MUNDO.
NFACEBOOK DE GUIDO BILHARINHO: 

A RECEPÇÃO - PARTICIPAÇÃO NO CINEMA


A RECEPÇÃO -PARTICIPAÇÃO NO CINEMA


Guido Bilharinho


Muito já se escreveu - embora pouco se leu - sobre o papel antropológico da experiência cinematográfica na órbita de sua recepção-participação psíquica e afetiva. Edgar Morin é incisivo nessa questão, ao afirmar que “não podendo exprimir-se por atos, a participação do espectador interioriza-se. A cinestesia do espetáculo escoa-se na coenestesia do espetáculo, isto é, na sua subjetividade, arrastando consigo as projeções-identificações. A ausência de participação prática determina portanto uma participação afetiva intensa: operam-se verdadeiras transferências entre a alma do espectador e o espetáculo da tela” (“A Alma do Cinema”, in A Experiência do Cinema, antologia de textos teóricos organizada por Ismail Xavier. 2ª ed. Rio de Janeiro, Edições Graal/Embrafilme, 1991, p. 154).


Isso explica muito o sucesso do espetáculo cinematográfico quando consegue galvanizar a emoção do público. Explica e até justifica, mas, nada tem a ver com o aspecto artístico. Arte é uma coisa e espetáculo outra, no só totalmente diversas como antinômicas.


A arte dirige-se à inteligência e à sensibilidade, exigindo espectador intelectualmente armado, vigilantemente atento, autonomamente crítico, que não se deixa envolver pela emoção destilada pela realização cinematográfica. Ao invés de a ela se render e se subordinar emocionalmente, a submete racionalmente, tendo muitas vezes, nesse processo, de vencer manifestações de empatia provocadas pelo poder exercido pela imagem em movimento.


Nesse caso, a passividade que caracteriza o espectador em geral é substituída pela participação, que equivale e muitas vezes suplanta os limites da realização fílmica. Esta, depois de terminada, pronta e acabada, no mais pode ter ampliados ou aprofundados seus significados e implicações. Já o espectador consciente possui durante - e principalmente após a projeção - amplo campo de manobras para exercício de análise, comparações e avaliações.


Claro que para atingir esse grau de independência e percepção o espectador deve ser intelectualmente ativo, tendo interesse em compreender para ter condições de entender o mecanismo ora negativo ora, muito raramente, positivo que está na base da obra cinematográfica e permeia sua própria origem, condicionando-a e determinando sua natureza.


Se anteriormente o público era envolvido pelo isolamento e pela penumbra do ambiente das casas de exibição (cinemas de rua) em que até sua disposição de ir e o respectivo deslocamento até elas já o afetavam, provocando o que Hugo Maueshofer, no ensaio Psychology of Film Experience, diagnostica como "mudança psicológica da consciência que acompanha automaticamente o simples ato de ir ao cinema" (op. cit., p. 375), hoje, o vídeo, o dvd e a divulgação televisiva antepõem-se ou pelo menos atenuam esse encapsulamento uterino.


A sala residencial iluminada e as interrupções ou sua possibilidade real e concreta - intervalos comerciais, telefonemas, movimentação de circunstantes - não mais permitem o isolamento, propiciando, pois, relativa libertação do espectador que automaticamente torna mais objetiva sua convivência com o filme assistido, facultando-lhe distanciamento e liberdade que, no entanto, necessitam ser aproveitados e explorados em prol de sua independência intelectual, que, no entanto, só será efetiva se respaldada por consciência do mundo adquirida pelo estudo e reflexão.


(do livro inédito Ficção e Cinema)






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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de Literatura (poesia, ficção e crítica literária), Cinema (história e crítica), História (do Brasil e regional).