Edição
nº 1394 - 27 Dezembro 2013
A arquiteta e pesquisadora Virgínia Dolabela |
A arquiteta e pesquisadora Virgínia Dolabela (foto) vem
desenvolvendo há alguns anos o projeto 'Caminhos do Desemboque - Notas Históricas
do antigo Julgado das Cabeceiras do Rio das Velhas, depois Julgado do
Desemboque, atual distrito do Desemboque'. Ela mostra em sua pesquisa, através
de documentos de fonte primária, isto é, da época dos fatos, que a história do
Desemboque não é bem aquela que nos chegou, principalmente, após a publicação
dos livros: PONTES, Hildebrando de Araújo – História de Uberaba e a civilização
do Brasil Central – Edição Academia de Letras do Triângulo Mineiro – 1970 e
SAMPAIO, Antonio Borges – Uberaba: História, fatos e homens volume 1 – Edição
Academia de Letras do Triângulo Mineiro, Bolsa de Publicações do Município de
Uberaba –1971. Em entrevista ao ET, Virgínia contou uma história um pouco
modificada da que normalmente
conhecemos.
Fontes de pesquisa
Pesquisas
em documentos e mapas depositados em diversos locais como: Biblioteca Nacional,
Arquivo Público Mineiro, Arquivo Histórico de São Paulo, Arquivo do Exército, e
outros, principalmente documentos do Arquivo Ultramarino da época do Brasil
Colônia, que estão depositados em Portugal, hoje disponibilizados pelo Projeto
Resgate da Universidade de Brasília, atestam a história real do distrito de
Desemboque.
Referências
do Projeto Resgate como: AHU-ACL-N- Goias -Documentos: nº. 2586 e 2038 –
registram que o arraial do Rio das Velhas foi fundado pelo Capitão Pedro Franco
Quaresma e tomado posse pelo oficial coronel José Velho Barreto em 3 de janeiro
de 1752, a mando “Ilmo. Exmo. Snr. D. Marcos, Governador e Capitão-General da
Capitania de Goiás”.
Fato
confirmado pelos documentos:
Notícia Geral da Capitania de Goiás em 1783
(publicada in Notícia geral da Capitania de Goiás , BERTRAN, Paulo (org) - Brasília: Solo Editores 1996).
Requerimento
dos moradores de S. Domingos do Araxá pedindo sua passagem para a Capitania de
Minas em 1815, publicado na revista do Arquivo Público Mineiro (págs875 a 882).
Data
de fundação do Desemboque
O
arraial do Rio das Velhas, sede do Julgado das Cabeceiras do Rio das Velhas, da
Capitania de Goiás, foi fundado em 3 de janeiro de 1752, por Pedro Franco
Quaresma e dado posse da região para a dita capitania pelo oficial coronel José
Velho Barreto, a mando “Ilmo. Exmo. Snr. D. Marcos, Governador e
Capitão-General da Capitania de Goiás”. A capitania de Goiás foi criada em 1748
e o então governador para conhecimento e posse de toda a área da capitania toma
diversas providências, como levantamentos geográficos, arraiais existentes,
população, etc. São diversos documentos que retratam os fatos e a cartografia
oficial de Goiás dos anos de 1750 e 1751, mostram claramente que não existia
nenhuma povoação na região das cabeceiras do Rio das Velhas, mas somente na
antiga estrada para Goiás, passando pelo Porto da Espinha (ou do Anhanguera).
Em
diversos documentos cartográficos do século XVIII, existia só a povoação
“Desemboque” no Rio Grande, assim como em muitas referências cartográficas os
dois aparecem conjuntamente, principalmente
nos mapas dos últimos trinta anos dos setecentos.
O
atual Desemboque começa em 1761
O
povoamento do pequeno Arraial do Rio das Velhas se deu depois de passados
alguns anos, em 1761, quando de Minas Gerais vieram: Manoel Álvares Gondim,
Luis Alves Ribeiro, José Rolim, João Fernandes, Manoel Fernandes Prado e outros
que abriram as lavras de ouro e se fixaram em toda a região entre o rio Grande
e o rio das Velhas. Na igreja Matriz de Nossa Senhora do Desterro a data de
1762 no altar mor é a referência da consolidação do povoado. Em 2 de março de
1766, o Julgado das Cabeceiras do Rio das Velhas foi instituído oficialmente
pela Capitania de Goiás para consolidar a posse da região, já em conflito com a
Capitania de Minas.
A
toponímia “Desemboque” no século XVIII era relativa a um povoado no Rio Grande,
na região da atual Usina Mascarenhas de Morais (Peixotos). Fato confirmado por
inúmeros documentos, mapas e estudos sobre os conflitos de divisa entre São
Paulo e Minas Gerais. Também confirmado pelo requerimento dos moradores de
Araxá de 1815. O Auto de posse de
Desemboque em 1861, citado por diversos autores é relativo ao povoado do rio
Grande e não do rio das Velhas.
As
controvérsias históricas publicadas são consequências das várias tentativas dos
governos da Capitania de Minas para a conquista de mais territórios,
principalmente para os lados das capitanias de Goiás e de São Paulo, como nas
regiões dos rios São Marcos, Paranaíba, Grande e das Velhas. Documentos eram
distorcidos de propósito para forçar o governo português a modificar divisas,
dar posse de sesmarias, etc. As pesquisas que servem de base para a história
que vem sendo contada do atual Desemboque foram feitas basicamente em arquivos
mineiros e não levando em conta a existência do povoado no Rio Grande,
misturando locais, fatos e datas.
Dos
locais das lavras de ouro citados em diversos documentos sobre o Julgado das
Cabeceiras do Rio das Velhas, um chama a atenção: a serra do Funil, no atual
município de Delfinópolis, que tem o formato de um tabuleiro, contrastando com
a então conhecida “Serra do Desemboque” (Peixotos), local de disputas e guerras
até a destruição do povoamento nos fins do século XVIII.
O
Julgado do Desemboque é criado em 04 de abril de 1816, quando a região é
anexada a Minas Gerais e se acredita que foram dois os motivos da mudança do
nome: primeiro que na Capitania de Minas já existia um rio das Velhas e uma
povoação com esse nome, na Comarca de Sabará. E segundo que a região conhecida
como Desemboque, no Rio Grande, era de conflito entre as três capitanias (São
Paulo, Minas e Goiás) e o antigo povoado havia sido destruído e os antigos
moradores “subiram” para os Arraiais do Rio das Velhas e do Barreiro do Araxá.
Igreja
Matriz de Na. Sra. do Desterro
A
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Desterro foi construída entre 1761 e 1762, e
a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos recebe provisão em 1820,
fatos já comprovados por documentos do Arquivo Nacional e Arquivo Mineiro,
assim como os documentos citados anteriormente.
Em
1820 a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário (já constituída) pede a provisão
para erguer a capela, o que nos confirma que existiam os cultos e festejos
anteriormente, como o congado, e a data da imagem de Nossa Senhora do Rosário
dos fins dos oitocentos, com todas as características do estilo barroco,
contrastando com a simplicidade da Igreja.
No
Julgado das Cabeceiras do Rio das Velhas existiam guardas, alfândegas, juiz e
todas as formas oficiais de controle da extração do ouro, do trânsito nas
estradas, da ordem social, etc. Alguns fatos esporádicos levaram ao Desemboque
a fama de local de ladrões e malfeitores o que não é verdade, pois é só estudar
um pouco a história da colonização do Brasil e perceber que em várias regiões
havia conflitos pelos altos impostos, como o “quinto”, cobrados por Portugal e
pela posse de terras.
Como
nota, vale ressaltar que em todos os documentos e mapas consultados, dos
séculos XVII, XVIII e XIX, o atual Rio Araguari está denominado como Rio das
Velhas. A referência de que se chamaria Rio das Abelhas começa em alguns
documentos tardios da chamada “Conquista” do mestre de Campo “Ignácio Correya
Pamplona” (Expedição em 1769) o que de acordo com alguns pesquisadores, já era
para provocar conflito e conquistas para a capitania de Minas. Documentos e
mapas publicados nos anais da Biblioteca Nacional, do escriba que o
acompanhava, confirmam o nome Rio das Velhas e de que a expedição não chegou ao
Arraial do Rio das Velhas, que pertencia a Goiás.
Pesquisas
sobre a história do Desemboque e sua importância como polo de desenvolvimento
do Triângulo Mineiro, como sede de Julgado, de riquezas e conquistas, como rota
comercial de Goiás para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, merecem maior
atenção das universidades, dos administradores públicos e da população de
Sacramento.
Fonte:
O Estado do Triângulo