A Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Uberaba foi
derrubada, em 1924, por não haver manutenção por parte da Cúria Metropolitana.
Estava em ruínas. Uma restauração seria dispendiosa. A demolição ocorreu a
pedido do então agente executivo (prefeito à época) progressista Leopoldino de
Oliveira (Coligação Uberabense), também deputado federal no período.
Nos últimos anos de sua existência, se realizava naquele
templo somente a comemoração do Dia da Abolição, o 13 de Maio, relatou o
memorialista e religioso católico Carlos Pedroso. Os festejos do dia do
Rosário, desde pelo menos 1913, como registrou o então jornal Lavoura e
Commercio em sua edição de 26 de setembro, já haviam se transferido para a
Igreja São Domingos.
Era usual, durante o Império, ao se iniciar um vilarejo a
construção de duas igrejas: uma para brancos e outra para negros. Portanto, a
principal foi erguida no Largo da Matriz, a pç. Rui Barbosa na atualidade, onde
surgiu o primeiro povoamento do lugar e se concentrou o comércio, prestadores
de serviço e moradias.
As ruas Coronel Manoel Borges e Vigário Silva, que eram a
mesma via e conhecidas como rua Grande por iniciarem próximo da av. Deputado
Marcus Cherém e ir até a av. Alexandre Barbosa. A r. do Commercio, hoje Artur
Machado, existia, por volta de 1880, até seu terceiro quarteirão. Dali em
diante era deserto.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário |
A “Igreja dos Pretos” localizava-se três quadras à frente em
área afastada do burburinho da vila. Sua construção realizou-se com mão de obra
escrava, como era comum em relação aos santuários de devoção de negros, aberta
em 1841. Era no Alto do Rosário, agora bairro Estados Unidos, no Largo do
Rosário, atualmente av. Presidente Vargas, no meio do morro, com sua frente
direcionada para o então final da r. do Commercio.
Santa Rita, São Domingos e Mogiana “ajudaram” a derrubar
Rosário. Com o surgimento da Igreja Santa Rita em 1854, a três quarteirões da
do Rosário, e da São Domingos 50 anos depois, a duas quadras, o santuário do
povo negro foi perdendo frequentadores. Por isso, a Cúria deixou de mantê-lo,
provocando sua decadência.
O início da operação da Companhia Mogiana de Estradas de
Ferro em Uberaba a partir de 1889, com a estação instalada no alto da r. do
Commercio, provocou a urbanização no entorno da Igreja do Rosário, que se
encontrava em ruínas. Consequentemente, o então “prefeito” Oliveira se viu
obrigado a propor a demolição do templo. A via, portanto, passou a ter passeios
laterais largos. Em meados do século 20, uma ilha foi construída com jardim e
palmeiras imperiais. Desde 2006 há no local monumento de reverência a Zumbi dos
Palmares, importante líder negro abolicionista.
Imigrantes sírios e libaneses ajudaram a erguer a Igreja São
Benedito. As comunidades síria e libanesa, nos anos 1930 e 1940, concentravam
suas atividades comerciais no bairro Estados Unidos, na r. Padre Zeferino,
desde seu início até a r. Artur Machado. Era conhecida como a “Rua dos Turcos”.
Por utilizarem, praticamente, somente o idioma árabe, esses
imigrantes se fecharam e havia dificuldade em se relacionar com a sociedade.
Além disso, sírios e libaneses eram falados na cidade por moças: elas tinham medo
deles. Diziam que presenteavam suas namoradas e esposas com joias caras, mas
que batiam nelas, revelou o memorialista Pedroso.
Como forma de romper o isolamento, propuseram à Cúria
Metropolitana ajudar a edificar a Igreja São Benedito, outro santo de devoção
por povos de descendência africana. Seria uma forma de compensar a demolição da
igreja do Rosário. A pç. da Bandeira, que depois denominou-se Dr. Jorge Frange,
foi o local escolhido. A inauguração se deu em 1961, 34 anos após a derrubada
da do Rosário. Nova basílica foi implantada no local em 1978, em formato
circular, em substituição à primeira que tinha arquitetura tradicional.
O bairro, que passaria a levar o nome da igreja, já era
reduto das duas nacionalidades e de seus descendentes. Até então a região era
conhecida por Colina da Matriz. No local também estava instalada, na r. Major
Eustáquio, desde 1927, a Sociedade Sírio Libanesa, que passaria, nos anos de
1990, a denominar-se Clube Sírio-libanês.
(*) Jornalista e coautor da biografia Lucilia – Rosa anos – 1841-1927