Ele certamente fora um escravo fiel, prestativo e querido por todos. Talvez por isso, ao redor de sua oficina surgiria uma comunidade, mais tarde grande cidade e futuramente conhecida por “princesinha do sertão”.
Por manter sempre acesa sua forja de ferreiro o logradouro ficou conhecido por Rua do Fogo, depois Rua do Comércio e mais tarde Rua Artur Machado.
Seu dono e senhor, Major Antônio Eustáquio da Silva e Oliveira, o patriarca e fundador da cidade, em reconhecimento fez incluir entre os 58 itens de suas disposições testamentárias um dispositivo concedendo liberdade “ao seu escravo Manoel Ferreira, com a obrigação de ele fazer todas as obras de ferro empregadas na construção da Nova Matriz, e doa também 4 arrobas de ferro e 1 de aço, para o começo das obras.”
O testamento especifica em detalhes a destinação de seu patrimônio nele reservando auxílio para construção da cadeia, a cota parte destinada a cada um de seus herdeiros legais e testamentários. “Como se considerava católico praticante, fica ordenado também que cada padre presente no dia de sua morte celebre em sufrágio de sua alma um ‘oitavário de missas’, além de 600 outras durante um ano seguido, 300 por sua alma, 100 em sua intenção, 100 por intenção às almas daqueles com os quais teve negócios, 50 pela alma de seus pais e 50 pelas almas do Purgatório mais necessitadas.” Não satisfeito, “autoriza finalmente, a distribuição, no dia da sua morte, de 20$000 aos pobres e 200$000 a 3 filhas viúvas pobres que vivam honestamente.”
Só não se sabe se o escravo Manoel Ferreira logrou obter sua tão almejada liberdade, pois as obras na igreja ficariam paralisadas pelos 16 anos seguintes, sendo retomadas no distante ano de 1848. Isso porque a viúva de Major Eustáquio, Antônia Angélica de Jesus, sequer esperou seu corpo esfriar na sepultura, o término das missas, novenas e rezas encomendadas pois casou-se com o tenente José Fernandes da Silva, em 05/07/1832, cinco meses após a morte do grande patriarca de Uberaba.
Em memória de Manoel Ferreira ouso invocar Fagundes Varela em seu célebre poema “Mauro, o Escravo”, cujos versos finais proclamam:
“Mas quando a alvorada no espaço raiava, / E os bosques, e os campos, risonha inundava / Das longas delícias do etéreo clarão, / O escravo rebelde debalde buscaram, / Cadeias rompidas somente encontraram, / E a porta arrombada da dura prisão”.
Por desconhecer o destino final do fiel escravo Manoel Ferreira faço esse registro em Coisas e Fatos Antigos de Uberaba, para que, ao menos aqui, ele seja definitivamente lembrado.
Moacir Silveira
Fonte: Diário de Uberaba, de Marcelo Prata, volume 1, páginas 307 a 311.