terça-feira, 25 de março de 2025

ESCRAVOS MORTOS POR ENFORCAMENTO EM UBERABA

A notícia correu rápido por toda a cidade naquela manhã de sábado, 4 de janeiro de 1840. Por motivos pessoais Manoel Tico, vulgo Tico-Tico, assassinara horas antes, a machadadas, Francisco José Correia bem ali na rua Direita (atual Vigário Silva). Como de conhecimento geral o assassino era escravo foragido da vítima, mas para maior surpresa de todos quem se apresentou ao delegado, capitão Domingos da Silva e Oliveira, foi um recém-chegado, também escravo do morto, de nome Vicente, já sexagenário e cuja filha era amante do verdadeiro assassino.

As fotos são meramente ilustrativas e foram baixadas do Google imagens.

Vinte e dois dias depois, num domingo, entre “as últimas horas da noite e as primeiras do dia seguinte” as escravas Bertholina, Cândida e Florinda matam por estrangulamento a esposa do fazendeiro Rodrigues Chaves, sra. Alexandrina Umbelina de Magalhães, motivadas por vingança devido aos maus tratos recebidos do Senhor.

A justiça de então foi célere e em menos de três meses reuniu-se o tribunal do júri, realizou-se o julgamento e foram duas delas condenadas, juntamente o inocente Vicente, à morte por enforcamento. Apenas Florinda teve sua pena comutada em galés perpétua, por estar em “estado interessante”. Os condenados à forca permaneceram presos, em celas no prédio da Câmara, pelos nove anos seguintes, pois o afamado carrasco mineiro, Fortunato José, só chegaria à cidade para o cumprimento da sentença no dia 13/08/1949.

Consta dos registros que ele “tem 32 anos, é musculoso, alto, célebre e temível. Estivera na cadeia de Ouro Preto, condenado a 44 anos, saíra 31 vezes escoltado a serviço e realizara 87 enforcamentos. Ganhava 12$300 por execução, ou 4$800 se paga pela Municipalidade.”

E o carrasco nem bem chegou saiu batendo, “em vão, às portas na Vila de Uberaba, à procura de quem vendesse cordas e madeira para os enforcamentos do próximo dia 17. Consegue, com muita dificuldade, as cordas, tendo sido a madeira retirada do Capão da Igreja (depois Chácara do dr. Josué Laje). Arma a forca no campo (onde seria os fundos do Liceu de Artes e Ofícios, bem mais adiante).”

Todos na cidade, “inclusive os familiares do falecido Francisco José Correia, à véspera do enforcamento, sabem da inocência do escravo Vicente e a culpabilidade de Manoel Tico. O silêncio para todos vale o ouro da covardia, o peso do orgulho e o segredo da injustiça.”

Finalmente em “17/08/1849 – Chegam pessoas dos mais remotos recantos da Farinha Podre. Atraídas pela curiosidade, fazem questão de assistir a um ‘assassinato legal’. Exortados pelo padre Manoel Joaquim da Silva Guimarães, sobem no patíbulo, armado no campo da parte alta da Vila Uberaba, os escravos Vicente, Bertholina e Cândida,” ... “Num último pedido, as mulheres solicitam vinho, com a recusa do escravo homem. Uma delas, Bertholina, embriagada, chega a recitar versos. São enforcados à hora programada pelo carrasco Fortunato José.”

Agora, ao transitares pelas imediações da Praça Frei Eugênio lembre-se dessa lamentável ocorrência.

Melhor seria esse trágico, horrendo e dantesco espetáculo não tivesse ocorrido, mas como já inscrito na história da cidade dele faço esse triste registro também nos anais de Coisas e Fatos Antigos de Uberaba.

Moacir Silveira


Importante:

- Todas as citações entre aspas podem ser verificadas na preciosa revista “Diário de Uberaba, vol. 1, de Marcelo Prata, nas seguintes páginas 353, 355, 401 e 402.