terça-feira, 12 de março de 2024

O TROTE DOS CALOUROS

As vezes soltavam um foguete de três tiros pela manhã, outro ali pelo meio-dia, mas estes eram anúncios antecipados do evento, que só se realizaria à tardinha.

Os de maior fluência eram na calçada dos prédios das faculdades de Direito, Odontologia e Engenharia na Avenida Guilherme Ferreira, com o Córrego das Lages ainda aberto, talude vegetado, e as flamboyants floridas. O outro, da Medicina ali na Praça do Mercado, era muito concorrido mas não tão alegre, faltava a mise en scene que suscitava a curiosidade.

Sempre depois das quatro os foguetes pipocavam e nós largávamos os brinquedos e corríamos para assistir à esbórnia, e os mais reservados ficavam no lado ímpar da Avenida: da esquina da Carlos Rodrigues até a casa do Dr. Augusto. Do outro lado, os temíveis veteranos bradavam nomes inexistentes na segunda folha dum bloco de papel grampeado. Tambores com água, óleo, vermelhão ou negro-de-fumo, polvilho, fubá eram reservados e um chapa do Mercado seria contratado para fazer a mistura. Haviam também muitas tesouras curtas e de ponta redonda.

Volta e meia um dos veteranos ia ao prédio central onde funcionava a Secretaria Acadêmica, punha um envelope pardo no guichê, tirava e colocava papéis e depois saia correndo até a calçada, onde os veteranos se aglomeravam abraçando como um time de rubgi. De outra feita subia até uma janela e sacudia o envelope: era a deixa para acender uma bateria de foguetes.

Mas a lista mesmo – para ser crível - só saía das mãos de um funcionário mais antigo, que entregava a verdadeira lista dos aprovados no vestibular à vista de todos, fruto de um acordo entre a Direção e o Diretório Acadêmico.

A partir dessa hora a tensão aumentava, corria eletricidade! E cadê os bichos? E funcionava assim, o vestibulando suspeitando ter sido aprovado, tinha que ir perguntar aos veteranos do DA, tinha que dar o nome dele, e aí lhe tiravam a camisa e os sapatos para doação, faziam caminho-de-rato nos cabelos (poupavam os casados), cortam a calça, amarravam à uma longa corda, e só depois pintavam o indivíduo com aquela loção do tambor. Aí já corria umazinha. Irmão, cunhado, vizinho, e namorado que aparecia curioso, era “preso” até o candidato chegar. Eu mesmo com 10 anos fui detido por querer saber se meu primo havia sido aprovado, mas ele estava ausente da cidade e era casado: escapamos. E os foguetes pipocavam.

A esta altura a Rádio Sociedade PRE-5 ou a Difusora-ZYV-57 já irradiavam a ocorrência, e um corso se formava causando engarrafamento nas vias de acesso. Um só fotógrafo era chamado - Prieto ou Akira – que dias depois estampavam as “provinhas” nos seus quadros envidraçados.

E ao final do expediente, próximo do pôr do Sol, a caminhada: amarrados, pintados, carecas, com lágrimas nos olhos, com odor de cachaça, a maralha saía pelas ruas principais, ás vezes indo até a Praça dos Correios, a pedir dinheiro aos transeuntes, que era destinado a ressarcir a despesa da farra: foguetes, corda, tesouras, tinta, óleo, fubá, e a branquinha. Todas as calouras tinham que pagar mico, como pedir em casamento os coroas no Marabá, Buraco da Onça, ou Tip-Top. Já os bichos mendigavam às senhoras na Drogasil, Pernambucanas ou Riachuelo.

Não sei de registro de agressão ou abuso, era um folguedo inocente promovido pelos DA’s: uma cerimônia de introdução ao círculo acadêmico despindo toda e qualquer soberba. Depois com vestibular a cada semestre, turmas de cem alunos, e acabou aquela expectativa, o controle sócio-político dissolveu os DA’s, e os trotes ficaram mais raros e menos concorridos.

Leonardo José Teixeira