sábado, 25 de março de 2023

ALERGIA

Uma das grandes injustiças cometida contra esse escriba por sua filha é o epíteto de pão duro que ela me agracia às vezes.

A expressão, reza a lenda, surgiu no Rio antigo, para alcunhar um pedinte que ao finalizar o seu lamurioso pedido ao incauto transeunte e depois de muita insistência, arrematava como argumento final: “- Senhor, pode ser qualquer coisa, até um Pão Duro”.

Descobriu-se depois que o pedinte era possuidor de inúmeros imóveis na cidade e que os alugava, auferindo assim uma renda substancial.

Esse enredo na realidade foi uma peça de Amaral Gurgel. Se baseada em fatos reais não saberemos nunca, mas ficou no imaginário popular como se verdade fosse.
Pois bem, depois desse intróito, passemos aos fatos:

Geralmente passávamos as férias de início de ano no Guarujá, onde havia uma abundância de apartamentos dos tios à disposição dos parentes interioranos.

Tínhamos o Ap. da Neide e do Tio Betinho, da Angela, do Tio Natal e, finalizando, o que mais ficávamos que era o Ap. do Tio Ariovaldo e tia Terezinha.

Gostávamos demais do Guarujá, pois praia “era a nossa praia” e combinado com o custo zero da estadia (não que isso importasse, é claro), formava-se o passeio perfeito.

Íamos e voltávamos de ônibus, pois a minha “Caravan 78” era uma beberrona de primeira, além de não ser nada confiável, depois de várias retíficas no motor e os pneus ressolados que vez ou outra insistiam em esvaziar do nada. Ah, o motorista, diga-se de passagem, era mais ou menos do nível da Caravan (que deus a tenha).

E como uma coisa puxa a outra, então tenho que relatar o amor que os meus filhos tinham pela Caravan:
Quando pré adolescentes, eles começaram a frequentar o Munchen, apelidado de “Bobódromo” e eu, ao leva-los e busca-los lá, deveria, segundo as regras deles, deixa-los um quarteirão antes, para que não fossem vistos descendo daquela beleza.

Nas duas primeiras vezes eu desliguei a Caravan para que eles descessem e quem disse que a beberrona pegava? Parece que ficava magoada e descontava pirraçando esse pobre choffeur!
Depois disso, por via das dúvidas, nunca mais desliguei a dita cuja.

Onde estávamos, mesmo? Na viagem de ônibus, que nos deixávamos na estação Tietê, pegávamos o metrô, descíamos no Jabaquara, outro ônibus para Santos, coletivo para a balsa, atravessávamos e por fim outro coletivo para a avenida Leomil, onde ficava o apartamento do Tchiarió (tio Ariovaldo).Na volta a mesma coisa.

Numa dessas férias, na volta, como estávamos um pouco atrasados, pegamos um taxi na balsa de Santos para nos levar até a rodoviária.

No caminho, a Marcella começou a ficar enjoada e trocando ideias com a Zânia, chegamos à conclusão que só poderia ser o camarão que ela havia comido antes, visto que eu tenho alergia muito acentuada por esse crustáceo.

Comentei com o motorista e ele com medo de que a criança vomitasse no carro dele, fez o trajeto de mais ou menos 30 minutos, em espantosos 15!!

Foi a sorte dele, pois assim que descemos do taxi, a Marcella vomitou com força.

A partir daí, demos por fato consumado que a Marcella teria a mesma alergia que eu e nunca mais ela comeu camarão, lagosta, ou qualquer fruto do mar.

Mas, como diz meu amigo Carijó - nunca é um tempo longo demais - deu-se que no seu primeiro casamento ela e o marido foram passar a lua de mel em Maceió.

O ex marido médico, era apaixonado por frutos do mar e no Resort que ficaram (all inclusive) servia-se camarões em todas a refeições. Meio que timidamente, resolveu ela que experimentaria um daqueles camarões gigantes que serviam a toda hora.

Afinal, sendo o marido médico, qualquer problema o socorro seria imediato.

Mas para surpresa geral (menos para mim, supõe ela até hoje) não houve reação alguma.

Neca de alergia, nada de beiço inchado, nada de espirros; nem mesmo uma mísera coceirinha no braço.
A partir daí, como diz o ditado “quem nunca comeu mel, quando come se lambuza”, foi uma farra só.
Omelete de camarão no café da manhã, camarão na moranga no almoço, Lagosta à Thermidor no jantar, ostras e espetinho de camarão na praia e por aí ia.

Chegando em Uberaba, fui recebê-los no aeroporto e ao abraçá-la, ela já me questionou naquele tom de voz vários decibéis acima do normal:

-Pai, cê me enganou esse tempo todo!!!! Não tenho alergia nenhuma por camarão. Cê não queria é comprar camarão porque é caro, aí inventou isso.

Não adiantou contra argumentar, até hoje ela jura de pé junto que assim foi.

Nem sabe ela - saberá agora - que aconteceu meio que parecido quando ela comeu filé mignon e também passou mal. Mas dessa vez não consegui convencer a Zânia que tinha sido a carne.


Marcelo Caparelli


História de Uberaba