domingo, 6 de março de 2022

SANGUE, SUOR e LÁGRIMAS


Em terras do Zebu, logo me indaguei: quem seria esse Guia Lopes? Pensei tratar-se de guia de gado. Ledo engano.
José Francisco Lopes, seu verdadeiro nome, estava posto em sossego em sua bela Fazenda do Jardim, MS, bem próxima da fronteira com o Paraguai, quando o maior conflito da América Latina eclodiu.

Imagens: 1 e 6 (Placa e Rua Guia Lopes – fotos: Antonio Carlos Prata);
do Google: 2 – Guia Lopes e Fazenda onde nasceu); Os filhos, todos com o sobrenome Lopes, em 3 – os mais novos: Pedro José, José Francisco e Bernardino Francisco; o mais velho: 4 – João José; e 5 – o do meio Pedro José

Natural de São Roque de Minas, distrito de Piumhi, aqui na Serra da Canastra, ali nasceu em 26/2/1811 e hoje é considerado o maior herói no trágico episódio da Retirada da Laguna, da Guerra do Paraguai.

Em sua bela propriedade rural no Mato Grosso do Sul dedicava-se à pecuária extensiva, ao lado de irmãos, filhos e cunhados. Graças à isso tinha profundo conhecimento da região.
Bem no início do conflito, em 1864, teve esposa e 4 filhos presos por tropas paraguaias e levados àquele país.

Tomado por sentimento de vingança alista-se como voluntário nas tropas que chegavam ao MS e que haviam passado por Uberaba, cidade onde foram reunidos os contingentes vindos de Ouro Preto e Rio de Janeiro.

Mas o inimigo, adotando tática de ‘guerrilha’, não facilitou sua empreitada. Recuaram, destruíram tudo o que ficava para trás e não deixavam gêneros que pudessem ter utilidade à nossa tropa.

Foram dias de muito sangue, suor e lágrimas. Inimagináveis na história dos grandes conflitos mundiais. Agruras que só os bravos são capazes de suportar. Luta corpo a corpo na base do sabre, espada e pesadas balas de canhão. Em cargas rápidas de cavalaria capazes de fazerem levitar, em pontas de afiadas lanças, os corpos dos que ousavam enfrenta-las. Espetáculo dantesco de corpos estrebuchados. Some-se a isso fome, pestes e torturas aos que caiam em mãos inimigas. Pior ainda, o ambiente não era favorável. Quando chovia era charco pesado e pantanal intransponível. Quando sol escaldante, capinzal propício ao fogaréu, fumaça e sufoco, que os paraguaios exploraram à larga.

À falta de mantimentos o nosso Lopes não hesitou, colocou à disposição o gado de sua propriedade, que para alimentar a tropa era abatido, em média, 40 cabeças por dia.
Acossados pelos inimigos, com fome, vitimados por epidemia de cólera, a maltrapilha tropa alcança nossa fronteira, onde Lopes, também vítima da doença, luta até o último dia de sua vida, vindo a morrer às margens do rio Miranda, onde está enterrado, em terras de sua propriedade, em solo de seu amado rincão.

Dos mais de 3.000 soldados brasileiros, só 700 sobreviveriam. Não fosse o heroico feito de nosso Guia, talvez nem isso. Além de Lopes, o conflito tirou a vida de 2 de seus filhos e de um cunhado.
Seu nome é merecidamente lembrado em escola (BH), em ruas (Uberaba, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre...), avenida (Uberlândia), dá nome a município no Mato Grosso do Sul e a centenas de outros logradouros e prédios públicos Brasil afora.

E hoje quando ouço nosso hino nacional, comovido, sempre nele penso, principalmente nos versos:
.... “Dos filhos deste solo és mãe gentil, pátria amada Brasil”, ao que mentalmente acrescento: - e que esse solo lhe seja leve e amável, sob terras e flores de sua querida Fazenda Jardim.

Moacir Silveira


OBS: Para maiores detalhes sobre essa epopeia sugiro leitura das obras de Taunay, testemunha ocular dos fatos.