domingo, 6 de março de 2022

JANELA FECHADA

Ontem, ao descer da igreja dos Dominicanos após a Missa do 1º. Mês do falecimento de minha mãe, senti uma tristeza profunda ao ver a casa dela, toda fechada, luzes apagadas, tudo escuro... Lembrei-me da sua figura meiga, ali no alpendre, esperando pelos seus quando terminava a Santa Missa...

Ataliba Guaritá Neto e Niza Marquez Guaritá -
Foto Acervo Uberaba em Fotos.

Desde quando me casei, morei ao lada da sua casa. Durante os 40 anos, ela ficou me vigiando pela janela da sala. As pernas poderiam até doer, mas eram fortes de amor para suportar a vigília. De pé, ela ficava horas e horas guardando minha chegada. Quando meu carro apontava, ela se afastava e se escondia atrás da veneziana, para não ser vista. Isto porque sempre impliquei com sua permanência, durante tanto tempo, ali na janela da fiscalização... Exatamente: ela fiscalizava meus passos, onde fui, quando voltei, porque demorei... Hoje confesso, tenho saudades disto tudo.

Certa vez quando “descobri” que ela estava escondida atrás da janela, observando-me pelas frestas, como menino que roubava chocolates, disse-lhe como advertência: “A senhora está com os pés inchados porque quer... Não precisa se esconder aí atrás da janela, antes de entrar em casa prometo que darei um pulo até aí”... Mas não adiantava a promessa, ela permanecia horas e horas, vigiando a entrada do meu carro na garagem...

Agora, mais do que nunca, vejo com tristeza aquela janela fechada... Ontem, 31 dias depois que ela se foi tive vontade de abrir a janela, quem sabe Deus não me daria o prêmio de colocar ali a sua silhueta, a figura meiga, dócil e carinhosa de uma mulher que só cometeu um pecado em sua vida: amou demais o seu filho.

Ataliba Guaritá Neto
(Crônica do Netinho – em Observatório do Galileu – jornal Lavoura e Comércio – 1/9/1988)