terça-feira, 3 de novembro de 2020

JOGO DO BICHO

Meus avós nasceram, cresceram e se casaram em uma pequena comunidade no sul da Itália, região da Calábria, por nome de Mongrassano.

Fugindo das dificuldades do pós guerra embarcaram em Nápoles e desembarcaram no porto de Santos no ano da semana de artes modernas de 1922 em um navio chamado Cesare Battisti.

Vieram nessa leva meu avô, minha avó que estava grávida do meu pai e a Tia Anita com dois anos.

Muitos anos depois, a “nona”, que era assim que nós a chamávamos, me contou que ao desembarcar em solo brasileiro, o “nono” tapou seus olhos para que a sua primeira visão de humanos no Brasil não fosse a de um negro e assim, por consequência, o bebê não nascesse negro, visto que eles jamais haviam contemplado um “niuro” (era assim que ela os chamava).

Eles vieram na esteira do Tio Eduardo que já havia imigrado anos antes e era irmão da nona.

Sendo um exímio alfaiate havia se estabelecido em Uberlândia e era pai do “Fabinho”, sobrinho e próspero (e põe próspero nisso) banqueiro do “jogo do Barão”, vulgo jogo do bicho.

Meu avô veio para Uberaba em 1939 seguindo os conselhos do Fabinho, para abrir aqui uma, digamos, filial do negócio dele em Uberlândia e montou a “casa lotérica “Estrela Aparecida” que ficava em uma das lojas do Hotel Modelo na Artur Machado.

Ali, além de fazer o jogo do bicho, vendia bilhetes e, conta meu tio Benito, tinha uma roleta nos fundos, onde, por ser um tanto quanto barrigudo, controlava a parada da bolinha apertando um botão estrategicamente posicionado, pressionando esse botão com a “pança”.

Mas isso já é folclore.

O certo é que com esse DNA a família toda gostava de qualquer tipo de jogo, inclusive eu, que com 15, 16 anos, já jogava baralho, sinuca, pebolim, além de apontar o jogo do bicho, tendo na família alguns dos meus melhores clientes.

Todos sabem (pelo menos os viciados) que a chave para ganhar no jogo é ter um sonho e decifrá-lo corretamente. Sabendo essa arte, é batata acertar um pulo, um grupo, ou até mesmo uma centena. Existem até livros que ensinam como desvendar todos os mistérios dos sonhos e transformá-los em palpites certeiros.

A tia Ilza, (Ilza Cussi – mãe da Rosa, da Ângela, da Alzirinha e da Sandra) era uma expert nessa arte e muitas vezes acertava os palpites.

Certa feita, ela me ligou e pediu para jogar dois cruzeiros no grupo do Leão na cabeça. Eu perguntei, querendo que ela apostasse um pouco mais, se ela não queria jogar mais dois cruzeiros de 1º ao 5º que era para salvar a aposta.

Ela não quis e disse enfaticamente:

Vai dar na cabeça, eu sonhei. Meu sonho não falha!

Anotei no talão, entreguei a cópia e no fim da tarde olha o Leão na cabeça!

A tia ganhou 36 cruzeiros que eu, no outro dia fui levar para ela.

Morrendo de curiosidade para saber o sonho da tia, já fui logo perguntando ao entregar o dinheiro:

- Mas que sonho certeiro foi esse, tia?

Ela não se fez de rogada e contou o sonho:

- Sonhei que era menina e estava catando jurubeba no mato com a Mariita.

- ?!?!?!???!?!?!?!?!??!?!?!?... Uai tia, o que tem a ver?

Com aquele jeito educado de ser ela responde:

- Você é burro? Olha em cima da mesa.

Olhei e tinha uma garrafa de vinho que era muito popular naquele tempo.

“Jurubeba, Leão do Norte”.

Saí sorrindo e pensando: - Vai decifrar sonhos assim no inferno!!!!

Marcelo Caparelli