Na Prefeitura, antes do gabinete do Sr. Prefeito, há uma espécie de galeria com os retratos de todos os ex-prefeitos de Uberaba. Entre eles, o retrato de meu padrinho de Crisma – o Bem Prata. Tive saudades dele. Quando me crismou, eu tinha apenas sete anos. Não sei por que privilégio, a cerimônia foi na residência de Dom Luiz Santana, bispo de Uberaba. Naquele dia, meu padrinho prometeu-me um carrinho puxado por dois cabritos. Como eu morava na fazenda, achei aquela promessa um presente de Deus. Os cabritos nunca chegaram nem tampouco o “carrinho do Siqueira”, como ele o chamava. Como criança, ingênuo, esperei o presente durante cinco anos. Aquele “Siqueira” era um malvado “se queira”, só então entendi a trapaça. Foi assim, penso, que chegou a prefeito. Governou apenas cinco meses, com direito a retrato emoldurado naquela galeria. Fez várias coisas “importantes”. Uma delas foi nomear professora minha irmã com apenas 15 anos e sem o Curso Normal completo. Ainda bem que valeu, minha irmã que morreu aos 92 aos, foi professora de três prefeitos, Arnaldo Rosa Prata, Hugo Rodrigues da Cunha e Wagner do Nascimento.
Bem, nada disso vem ao caso do Bem que se chamava João Euzébio de Oliveira e não assinava Prata e do qual eu, encantado, pedia “a bença”. Tinha um modo de falar diferente dos outros. Palavras que me eram estranhas e frases empoladas. Na época eu não entendia, mas guardei muitas delas na memória. Algumas: “Uberaba está invadida por forasteiros”; “Aquele fulano é um gangolino de marca maior”; “Naquele baile de traição havia moçoilas avassaladoras”;
“Olhe, criatura, nosso rincão necessita de homens de têmpera de aço”.
Bem Prata não se casou. Era um solteirão juramentado. Perguntaram-lhe um dia: “Bem, por que mesmo você não se casou?” Meu padrinho encostou um sorriso descansado no portal da boca e respondeu: “Olhe, criatura, o conúbio conjugal sempre foi travessia perigosa. Prefiro ficar arribado na margem da corredeira.” Diziam que tinha um filho lá pelos lados de Barretos. Respondia deixando dúvidas: “É verdade que aventurei muito por aquelas plagas. Era um frangote desajuizado, mofino, amante de turbulências amorosas. Mas de tudo que aprontei, não sei se ficou algum resultado de dar na vista. Não sei não. Nunca reclamaram herança nem ajuizaram nada. Desimportamento. Nenhuma certeza”.
Esse foi o padrinho escolhido para me dar “formação religiosa”! Eu o vejo como se fosse ontem. Sempre de paletó, colete, gravata borboleta e cravo na lapela. Botim de pelica e cabelo escovinha. Eu olho o retrato dele na parede. Tenho saudades. Era um bom coração. Deve ter ido pro céu no carrinho do Siqueira, puxado por dois cabritinhos. “Bença, padrim!”19/02/2017
(*) Padre Prata
Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro