quinta-feira, 19 de julho de 2018

Ainda somos um tanto escravagistas

Com espanto, perguntaram a um amigo do cronista Carlos Heitor Cony (Folha de S.Paulo): “É verdade que você se casou com uma negra?”. A idiotice da pergunta provocou uma resposta de alta sabedoria: “Casei-me com uma mulher”.

Quando Wagner foi eleito, uma senhora da sociedade conversando comigo, saiu-se com esta: “O que irão pensar da gente quando souberem, lá fora, que o prefeito de Uberaba é um preto?”.

Era amigo meu, de infância, o Benedito de Melo, filho mais novo de minha vizinha Dona Candoca. Tínhamos mais ou menos a mesma idade. Por causa de um problema de saúde e como vivia sozinho, contratou uma enfermeira para tomar conta dele. Era uma negra que lhe foi de uma dedicação exemplar. Com a proximidade, nasceu um grande amor que os levou ao casamento. Eu os vi muitas vezes, de mãos dadas, andando pela Major Eustáquio. Bem, não faltou um idiota para comentar comigo: “Você viu seu amigo, o Benedito, ‘ajuntou’ com uma negra. O que ela quer é o dinheiro dele”. Não é preciso dizer que o Benedito era pobre, não tinha nada. Eles se amavam.

Poderia dar mais alguns exemplos, mas estes três são o suficiente para deixar claro que todos nós somos racistas. Ainda há muita gente que considera o negro como inferior. Penso que já é tempo de superar esse ranço de mentalidade escravagista. Por que a cor da pele cria esse tipo de hierarquia social? Quanto mais branco mais inteligente? A verdade é que os negros não tiveram as oportunidades que tiveram e ainda têm os brancos. Só isso. Nosso modo de pensar é fruto de uma mentalidade de escravidão que ainda não conseguimos superar. Nossos bisavós legaram a seus descendentes esse padrão discriminatório. Lembro-me muito bem de como meus avós, refletindo a mentalidade da época, tratavam os negros: “Negro quando não suja na entrada suja na saída”; “essa porcaria que você fez é serviço de negro”; “ele é um negro com alma de branco”... e assim por diante.

Não me agradam muito os argentinos. São descendentes de italianos e pensam, em sua empáfia, que são ingleses. Chamam nossa seleção de futebol de macacos: “Que vienen los macaquitos”.

De repente surge um milagre. Um argentino é eleito Papa. Nosso susto é grande. Pensamos no pior. Como nos enganamos! Caiu-nos do céu um exemplo de humildade, de misericórdia, o Papa Francisco. Lava os pés dos mendigos. Beija os negrinhos lá na África. Abraça os pobrezinhos pelas ruas. Veste-se com simplicidade. Jogou fora a coroa da pompa. Agradecemos a Deus o presente. 17/09/2017


(*) Padre Prata