Era um negrinho ( ops! afrodescendente. Senão...) esperto, criado na fazenda do Rodolfinho Cunha Castro, no Jubaí. Depois do leite no curral e as lidas caseiras, ia jogar sua bolinha na área verde, em frente à sede, com o resto da peonada. Era beque e dos bons. Semi-analfabeto, não tinha registro de nascimento. O patrão, apaixonado pelo Uberaba Sport, trouxe o jovem para treinar no seu time de coração. Agradou em cheio. Quando foi registrar o atleta na Federação Mineira, cadê os documentos ? Ilton dos Santos, (assim mesmo, sem H) não sabia nem o dia, mês e ano que nascera.. Rodolfinho, encarregou-se de tudo e ajeitou a vida de “Dedão”, apelido que ganhou na roça, pelo tamanho dos dedos dos pés, pois só andava descalço, até que ganhou a sua primeira botina “ mateira”...
Era um beque raçudo, diziam. Logo, logo, estava no time principal, fazendo zaga com o famoso Herminio Pongeluppi. Seu outro “predicado”: exímio bebedor de cachaça... Conhecia no estalar da língua com o “ céu da boca”, qual a procedência da “caninha”. Distinguia, desde as famosas marcas de Salinas (MG), capital mundial da cachaça, até as de alambiques artesanais da região. Sabia o sabor da cachaça do Amerquinho Cardoso, de Sacramento, passando pela PO, de Guaxima, dos Crema, do “Geromim Ribeiro”, de Ituiutaba, da “ Montanhesa”, de Araguari, as nossas “Chora Rita” e do “ Barbudo”, incluindo as conhecidas “51” e “Tatuzinho”, “ Nabunda” e “ Nabundinha”, além da do “ Branco”, de Veríssimo, até chegar a dos Colmaneti, de Aramina. Só não bebeu a “Lenda do Chapadão”, do Carlos Assis e a “ Zebu”, do Moura Miranda, porque ainda não eram fabricadas, bem como a “ Segredo Real”, do Rogério ...
“Zé Kelé”, tinha uma “venda” defronte ao saudoso estádio “Boulanger Pucci”, onde treinavam e moravam os jogadores. Fim de tarde, treino terminado, banho tomado, chinelo de dedo, lá ia “Dedão”, abrir o apetite, costumava dizer. “Zé Kelé”, impressionado com os “conhecimentos “ do freguês. – “Vou pegar ele, qualquer hora”, matutava. Não demorou muito tempo e colocou em prática seu plano: escolheu um litro branco, lavou bastante com detergente e, nos fundos do Colégio Polivalente, tinha uma mina d’água, que jorrava um líquido, límpido e cristalino. Caprichou na embalagem. Ansioso, aguardou o fim da tarde e a chegada de “Dedão”.
Leve e faceiro, surge o nosso personagem. “Zé Kelé”, foi logo dizendo: - “ Dedão, tenho uma surpresa prá você. Se descobrir, vai ganhar os “goles” até o fim do mês. Topa ?” Mais que depressa e curioso, “de cara”, respondeu: - “Se for cachaça, Zé, é mole. Conheço todas. De Salinas até o Capão da Onça, é comigo mesmo ! Vamos lá !” e fez o sinal de positivo. “Kelé” , mais que depressa, pegou o copo mais limpo da “ venda”, virou as costas para “Dedão”, encheu até a metade. – “Quero ver se é bom nisso. Toma “!
“Dedão” ,saboreou o primeiro “trago”; insistiu no segundo, quando deu a famosa “bochechada”. No terceiro gole balançou a cabeça, num gesto negativo. –“Zé, essa eu não conheço. Perdí”. “Zé Kelé”, soltou uma sonora gargalhada. Ria de orelha a orelha e “ gosou “ o bebedor:- “Dedão ! cê bebeu água de mina, seu bobão !” Surpreso, olhos arregalados , o becão do Uberaba, mais decepcionado que espantado, em tom muxoxo, respondeu :- “Num brinca, Kelé.. isso é que é água ?”.