sábado, 3 de fevereiro de 2018

ESCOLAS, SOLDADOS E FANTASMAS

Centro de Cultura "José Maria Barra". Uma história de 200 anos

Muitos lugares da cidade de Uberaba têm histórias para contar. Mas poucos tiveram uma vida tão atribulada quanto o quarteirão da praça Frei Eugênio, onde hoje funciona o Centro de Cultura "José Maria Barra". Uma história de 200 anos, que começa em 1818 - quando nesse local foi erguida a capela de Santo Antônio e São Sebastião do Berava. Dois anos depois, com a criação da Paróquia, a modesta igrejinha foi transformada na primeira Matriz do arraial.

Na frente da capela, como era costume na época, passou a funcionar um pequeno cemitério local. Ali foi enterrado, em 1833, o famoso Major Eustáquio, fundador da nossa cidade. Mas em pouco tempo o terreno já não era suficiente. O vilarejo crescia e um novo cemitério foi criado atrás da capela, estendendo-se até onde hoje existe a Escola Estadual Minas Gerais. Em 1856 os dois cemitérios foram reunidos num só.

Mas nessa altura, uma igreja maior-na Praça Rui Barbosa - já assumira a posição de Matriz paroquial. Ao juntarem os cemitérios, demoliram a antiga capela. Inúmeros anônimos e famosos da história local encontraram descanso naquelas paragens na segunda metade do século XIX. Mas seu sossego foi perturbado em 1900: o novo cemitério São João Batista foi aberto longe do centro. Túmulos foram transferidos e a área desapropriada pela prefeitura.

Duas décadas depois um novo destino: a área foi cedida para que o engenheiro e deputado Fidélis Reis colocasse em prática suas ideias - avançadas para a época - sobre ensino técnico profissionalizante. Fidélis não mediu esforços para erguer no local uma escola modelo, nos moldes dos Liceus de Artes e Ofícios das maiores cidades do mundo. Conseguiu recursos dos governos, recebeu doações e obteve - de graça - um projeto do escritório do renomado arquiteto paulista Ramos de Azevedo. Em 1927 o prédio central ficou pronto, mas faltavam os galpões das oficinas, fundamentais para seu funcionamento. Para que o prédio não ficasse vazio, foi emprestado à Escola Normal de Uberaba, que passava por uma fase "sem-teto".

Para concluir a obra, Fidélis apelou até ao industrial norte-americano Henry Ford, que fez uma polpuda doação. Em troca, seu nome batizou um dos dois pavilhões - o das oficinas de metalurgia. Do outro lado, no pavilhão "João Pinheiro" seriam ensinados os ofícios das madeiras. Com as obras concluídas em 1929, faltava colocar o Liceu em funcionamento, mas nuvens surgiram no horizonte.

Quebra da Bolsa em 1929, Revolução de 1930 e a Revolta Constitucionalista de 32 interromperam o destino da escola. Num tempo em que soldados eram mais valorizados que professores e artesãos, o prédio foi cedido para alojar o 4º Batalhão de Caçadores da Força Pública Mineira. A escola teve que esperar por 15 anos: só em 1947, quando ficou pronto o novo quartel do 4º BP, os militares deixaram o prédio.

Muita água havia rolado na ditadura de Getúlio Vargas, e o ensino técnico fabril tinha agora o nome de SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, entidade controlada pelos sindicatos patronais. Restou ao antigo Liceu ceder o prédio ao governo, que o repassou ao SENAI. Em maio de 1948, o presidente Dutra aproveitou a vinda para a Exposição de Zebu e inaugurou a escola, que desde então formou alguns milhares de operários e técnicos.

Mas o destino reservaria ainda algumas surpresas. Fidélis morreu em 1962, e a escola ganhou seu nome, em justa homenagem. Em meados dos anos 70, o belo pavilhão João Pinheiro foi demolido para dar lugar a um novo prédio sem muito charme, onde atualmente funciona o "Centro de Formação Profissional Fidélis Reis". Em 1977 os prédios históricos foram cedidos ao SESI Minas e passaram por um longo período de abandono.

Foi somente em 2006 que a velha escola, restaurada e reformada, voltou ao antigo brilho, agora como Centro Cultural. Dentro do pavilhão Henry Ford, foi construído o mais moderno teatro de Uberaba. Mas reza a lenda que, nas madrugadas escuras, fantasmas ancestrais do antigo cemitério ainda passeiam pelas suas coxias.


André Borges Lopes é jornalista, especializado em produção gráfica, uberabense e historiador nas horas vagas.