Centro de Cultura "José Maria Barra". Uma história de 200 anos |
Muitos
lugares da cidade de Uberaba têm histórias para contar. Mas poucos tiveram uma
vida tão atribulada quanto o quarteirão da praça Frei Eugênio, onde hoje
funciona o Centro de Cultura "José Maria Barra". Uma história de 200
anos, que começa em 1818 - quando nesse local foi erguida a capela de Santo
Antônio e São Sebastião do Berava. Dois anos depois, com a criação da Paróquia,
a modesta igrejinha foi transformada na primeira Matriz do arraial.
Na
frente da capela, como era costume na época, passou a funcionar um pequeno
cemitério local. Ali foi enterrado, em 1833, o famoso Major Eustáquio, fundador
da nossa cidade. Mas em pouco tempo o terreno já não era suficiente. O vilarejo
crescia e um novo cemitério foi criado atrás da capela, estendendo-se até onde
hoje existe a Escola Estadual Minas Gerais. Em 1856 os dois cemitérios foram
reunidos num só.
Mas
nessa altura, uma igreja maior-na Praça Rui Barbosa - já assumira a posição de
Matriz paroquial. Ao juntarem os cemitérios, demoliram a antiga capela.
Inúmeros anônimos e famosos da história local encontraram descanso naquelas
paragens na segunda metade do século XIX. Mas seu sossego foi perturbado em
1900: o novo cemitério São João Batista foi aberto longe do centro. Túmulos
foram transferidos e a área desapropriada pela prefeitura.
Duas
décadas depois um novo destino: a área foi cedida para que o engenheiro e
deputado Fidélis Reis colocasse em prática suas ideias - avançadas para a época
- sobre ensino técnico profissionalizante. Fidélis não mediu esforços para
erguer no local uma escola modelo, nos moldes dos Liceus de Artes e Ofícios das
maiores cidades do mundo. Conseguiu recursos dos governos, recebeu doações e
obteve - de graça - um projeto do escritório do renomado arquiteto paulista
Ramos de Azevedo. Em 1927 o prédio central ficou pronto, mas faltavam os
galpões das oficinas, fundamentais para seu funcionamento. Para que o prédio
não ficasse vazio, foi emprestado à Escola Normal de Uberaba, que passava por
uma fase "sem-teto".
Para
concluir a obra, Fidélis apelou até ao industrial norte-americano Henry Ford,
que fez uma polpuda doação. Em troca, seu nome batizou um dos dois pavilhões -
o das oficinas de metalurgia. Do outro lado, no pavilhão "João
Pinheiro" seriam ensinados os ofícios das madeiras. Com as obras
concluídas em 1929, faltava colocar o Liceu em funcionamento, mas nuvens
surgiram no horizonte.
Quebra
da Bolsa em 1929, Revolução de 1930 e a Revolta Constitucionalista de 32
interromperam o destino da escola. Num tempo em que soldados eram mais
valorizados que professores e artesãos, o prédio foi cedido para alojar o 4º
Batalhão de Caçadores da Força Pública Mineira. A escola teve que esperar por
15 anos: só em 1947, quando ficou pronto o novo quartel do 4º BP, os militares
deixaram o prédio.
Muita
água havia rolado na ditadura de Getúlio Vargas, e o ensino técnico fabril
tinha agora o nome de SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial,
entidade controlada pelos sindicatos patronais. Restou ao antigo Liceu ceder o
prédio ao governo, que o repassou ao SENAI. Em maio de 1948, o presidente Dutra
aproveitou a vinda para a Exposição de Zebu e inaugurou a escola, que desde
então formou alguns milhares de operários e técnicos.
Mas
o destino reservaria ainda algumas surpresas. Fidélis morreu em 1962, e a
escola ganhou seu nome, em justa homenagem. Em meados dos anos 70, o belo
pavilhão João Pinheiro foi demolido para dar lugar a um novo prédio sem muito
charme, onde atualmente funciona o "Centro de Formação Profissional
Fidélis Reis". Em 1977 os prédios históricos foram cedidos ao SESI Minas e
passaram por um longo período de abandono.
Foi
somente em 2006 que a velha escola, restaurada e reformada, voltou ao antigo
brilho, agora como Centro Cultural. Dentro do pavilhão Henry Ford, foi
construído o mais moderno teatro de Uberaba. Mas reza a lenda que, nas
madrugadas escuras, fantasmas ancestrais do antigo cemitério ainda passeiam
pelas suas coxias.
André Borges Lopes é jornalista, especializado
em produção gráfica, uberabense e historiador nas horas vagas.