OUTUBRO
A Arte da Realidade
Guido Bilharinho
Filmes Soviéticos |
Em 1927, no décimo aniversário da
revolução soviética, Sergei Eisenstein (1898-1948), auxiliado por Grégori
Alexandrov (1903-1983), realiza Outubro
(Oktiabr, U.R.S.S., 1927) atinente à tomada do poder na Rússia pelos bolcheviques.
Do
ponto de vista puramente artístico e cinematográfico, é obra brilhante, como
todas suas realizações. Salientam-se nela - pela extrema modernidade, agilidade
e adequação - os cortes e a montagem.
O
estilo vigoroso de Eisenstein impõe-se desde a primeira tomada e prossegue até
o final sem qualquer pausa. A angulação e o enquadramento são perfeitos,
contribuindo, como tudo o mais, para dar ao filme ritmo frenético e vibrante,
característica, também, de A Greve
(Stacka, U.R.S.S., 1924) e de O
Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potemkin, U.R.S.S., 1925).
Tais
particularidades são tão fortes e pessoais, que qualquer indivíduo afeiçoado ao
cinema, depois de conhecer um de seus filmes ou parte de um deles, tem
condições de identificar, de imediato, sua autoria.
Eisenstein,
como nenhum outro, imprime à sua obra o tonus
e o significado mais profundo dos fatos, transmitindo, por força disso, sua
atmosfera e ambientação. Seu realismo não se limita, como usualmente ocorre, a
captar apenas a realidade, mas, captando-a, em imprimir-lhe − mais do que
exprimir-lhe − um sentido, que preexiste ao momento enfocado e persiste depois.
As
pessoas que desfilam, agem e atuam frente às câmeras não parecem representar
simples personagens ou atores encarnando figuras de ficção, mas, os próprios
responsáveis pelos eventos.
Não
se tem a impressão de se assistir a uma narrativa, a uma reconstrução ou
equivalência dos fatos, mas, à própria realidade explodindo viva,
presentificada, na tela. Assim, por pautar-se por acentuado grau de realismo,
objetividade e verossimilhança, Outubro
insere o espectador no vórtice dos acontecimentos, fazendo-o sentir-se como se
os estivesse presenciando no momento em que se desenvolvem.
O
filme, por isso, não é documentário e nem configura ficção, inserindo-se num tertius genus, que apreende a realidade
significante e significada, extrapolando os limites documentais de fatos apenas
mostrados e a construção, normalmente livre, arbitrária e subjetiva, de
entrecho ficcional.
Se
Eisenstein, tanto em Outubro, como
nas demais obras citadas, se atém à impositiva faticidade, a ela acrescenta a
criatividade do artista e, sem transfigurá-la ou mistificá-la, a constrói,
muito mais do que a reconstrói, em toda riqueza de sua complexidade momentânea
e simultaneamente histórica.
Contudo,
para conseguir erigir sua epopeia cinematográfica, sacrifica todo didatismo e
repele qualquer esquematismo, pelo que só quem viveu os fatos ou deles já
possui alguma informação está apto a acompanhá-los e entendê-los, nem que seja
parcialmente.
(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba,
Instituto
Triangulino de Cultura, 2003)
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista
internacional de poesia Dimensão de
1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br) e autor de
livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando mensalmente
desde setembro último um livro no blog: https://guidobilharinho.blogspot.com.br.