Fachada
do hotel do Comércio
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Quem
passa hoje em dia defronte à loja Magazine Luiza, bem no começo da Rua Vigário
Silva, raramente sabe que ali funcionou – por mais de um século – um
respeitável hotel. E não era qualquer hotel: entre a sua fundação, em 1876, e a
inauguração do Grande Hotel na Avenida Leopoldino, em 1941, o Hotel do Comércio
foi o melhor e mais refinado ponto de hospedagem de Uberaba. Sua primeira
proprietária, Dona Balbina Freitas, acostumou-se a receber todos os visitantes
ilustres que se aventuravam pelo Triângulo Mineiro na virada do século XX.
Além
da hospedagem, o hotel oferecia um restaurante de alto padrão – num tempo em
que Uberaba não dispunha de muitas outras opções. No seu salão aconteceram
grandes banquetes, festas e recepções, com menus baseados em pratos franceses
das receitas de Auguste Escoffier. Fazendeiros em busca dos famosos Zebus,
negociantes de São Paulo que chegavam ao sertão pela ferrovia e autoridades
vindas da Corte carioca tinham no “hotel da Balbina” uma parada segura e
confortável.
Recorte de jornal - Lavoura e Comércio
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Esse devia ser o caso do jovem senhor Alcebíades Xavier Leite, inspetor regional da multinacional petrolífera Atlantic Refining, que tinha o costume de visitar Uberaba a negócios na primeira metade dos anos 1930. “Moço, cheio de vida, otimamente colocado e possuindo fartos meios de vida” – segundo os jornais da época – o jovem tinha muitos amigos em Uberaba e hospedava-se regularmente no estabelecimento de dona Balbina.
Mas
na madrugada do dia 2 de outubro de 1935, as coisas correram de modo estranho.
Alcebíades chegou agitado ao hotel a uma da manha. Antes de entrar no quarto nº
6, onde estava hospedado, pediu um martelo ao porteiro. Com ele, quebrou a boca
de um frasco de vidro. Em seguida, voltou à rua – onde ficou por um tempo
conversando com uma mulher, até que ambos foram embora no carro do inspetor.
Pouco depois, o jovem retornou sozinho, trancou-se no quarto e ingeriu uma
quantidade cavalar de cianeto de potássio – veneno rápido e letal, imortalizado
em guerras e romances policiais.
No
dia seguinte, com a cidade tomada pelo estupor e comoção, só se falava do gesto
tresloucado de um rapaz tão bem sucedido. Casado, e com uma filha ainda nova em
São Paulo, Alcebíades deixara alguns escritos onde – supunha-se – estava a
explicação do gesto extremo. Em boca miúda, comentava-se sobre uma paixão
avassaladora e clandestina por uma mulher “de vida airada” residente em
Uberaba.
O agente local da Atlantic, alguns amigos, colegas e representantes comerciais se encarregaram de abafar o escândalo, providenciando velório e um enterro rápido e digno no cemitério de Uberaba. A família não se manifestou a tempo e tampouco compareceu à cerimônia. Só no dia seguinte chegou, tarde demais, um pedido para que o corpo fosse levado a Ribeirão Preto.
A
polícia local, com discrição e respeito surpreendentes, não divulgou o conteúdo
das cartas em seu poder. O caso de amor, traição e morte sumiu rapidamente da
imprensa, sem que o mistério fosse esclarecido. Uma semana depois, o jornal
Lavoura e Comércio publicou apenas uma pequena nota onde a viúva manifesta seu
“profundo e imorredouro agradecimento” a todos os que se solidarizaram diante
do duro golpe que sofrera. O Hotel, fechado e demolido no final dos anos 1980,
levou consigo esse segredo.
André
Borges Lopes é jornalista, especializado em produção gráfica, uberabense e
historiador nas horas vagas.