A
INSATISFAÇÃO NAS RUAS - OS MANIFESTANTES AINDA NÃO VIRAM TUDO
*GUIDO
BILHARINHO
O Brasil foi tomado no mês
de junho último por manifestações de insatisfação, protesto e reivindicações de
proporções inéditas até então.
A palavra chave do fenômeno
é insatisfação. Insatisfação generalizada contra o estado das coisas no país.
Se há (e há) progressos, instalações e condições inimagináveis até mesmo há
trinta ou quarenta anos atrás (imagine-se antes!), os desmandos, a
incompetência, a desonestidade, o oportunismo, a falta de caráter, a carga
tributária, a burocracia, a violência e a insegurança também multiplicaram-se,
permeando e afetando o tecido social.
Os manifestantes que foram
às ruas para expor essa legítima insatisfação, além de merecerem todos os
elogios, exceto, obviamente, os baderneiros, os vândalos e os meliantes, nem
sentiram ainda, pela idade da maioria, a tragédia de um país injusto e
engessado.
Se percebem que, com exceção
de poucas e sofridas entidades culturais e assistenciais privadas, a maioria
absoluta das organizações partidárias, sindicais e ongs de diversas matizes
pautam-se por interesses particulares de seus dirigentes, ou, quando menos, por
ideologia, não representando senão a si mesmas, ainda não enfrentaram as
angustiantes filas dos atendimentos públicos. Se acham absurdos os gastos com
estádios, futuros elefantes brancos a darem só despesas (mas,
contraditoriamente, muitos são contra seu arrendamento a particulares), não
tiveram de amargar meses para simples averbação em registro público e nem pagar
taxas exorbitantes só para registrar mera ata de eleição de diretoria de
entidade cultural absolutamente destituída de finalidade lucrativa.
Se, com sobeja razão,
repudiam a maioria dos candidatos e dos eleitos pela sociedade (e não
políticos, que são outra coisa, rara no Brasil atual) para os executivos e
legislativos, nunca atentaram que eles têm de gastar fortunas nas campanhas
eleitorais (talvez, em média, uns três milhões de reais para deputado federal),
ainda correndo o risco (certo para a maioria) de não serem eleitos. Então, como
candidamente pretender que só idealistas se candidatem e como exigir que quem
paga ou tem de obter meios de custear os gastos de sua eleição vá representar o
“povo”? Sobre isso, aliás, ninguém fala! Por quê? Como também pouco se fala e
se escreve contra os excrescentes fundo partidário e imposto sindical.
Ao contrário, investem até
contra o fundo público eleitoral, que deverá ser gerido e aplicado pela Justiça
Eleitoral e não pelos partidos, proibidas totalmente outras fontes de custeio e
outros gastos, oriundos até mesmo dos próprios candidatos, com o que, e só
assim, haverá a decantada democracia no país, possibilitando a candidatura de
todo cidadão no gozo de seus direitos e a ser exercitada em campanhas
eleitorais regulamentadas.
Se os manifestantes externam
legítima insatisfação contra a corrupção, o sobrefaturamento e os desvios de
recursos em obras públicas e contra os gastos estatais com a Copa, não atentaram,
ainda, para os permanentes, inconstitucionais e fabulosos gastos publicitários
das administrações e dos legislativos federais, estaduais e municipais em
rádios, TVs, internet, jornais, folhetos e catálogos para se autoelogiarem.
Essa juventude tão
justamente insatisfeita nem ainda enfrentou o engessamento do país em todas as
áreas, com multiplicidade de exigências formais e burocráticas de toda ordem e
espécie, como, por exemplo, em relação ao meio ambiente, a respeito do qual o Brasil
tem a legislação mais draconiana do mundo, com imposições cerceadoras que
nenhuma outra nação tem, desequilibrando os índices de custos e produtividade e
enfraquecendo o país na competição internacional, quando o correto e cientifico
é se ter legislação uniforme para todos os países, visto que a questão
ambiental é planetária.
Além de tantos outros
descabimentos, distorções e deturpações, essa juventude ainda nem enfrentou o
confisco representado pela alta carga de impostos do país, a ponto de um
profissional autônomo pagar, só do soi-disant imposto “de renda” e
sofismaticamente “outros proventos”, praticamente um terço de seu ganho bruto,
nem atentou, também, para a imensa injustiça tributária que obriga o
assalariado do mínimo pagar, de imposto de consumo, a mesma percentagem de um
milionário.
E, ainda, nem conhece a
sangria a que é submetido o país com a absurda remessa às matrizes das
multinacionais de lucros, royalties, dividendos e rendimentos diversos. Como demonstrado
pelo departamento (ministério) de Comércio dos E.E.U.U., de 1990 a 2000 a
América Latina enviou para aquele país a esses títulos nada menos de UM TRILHÃO
DE DÓLARES (Folha de S. Paulo, de 10/02/2003), fora o que remeteu para a
Europa, Coreia do Sul e Japão.
Nada há, no momento, mais
autêntica, legítima e motivada do que a insatisfação generalizada no país com o
estado (geral e particular) das coisas (de todas as coisas), como, por exemplo,
o aposentado pelo INSS não poder auferir mais do que R$4.150,00 (que é o teto
fixado), enquanto os servidores públicos aposentam-se com vencimentos
integrais, de R$ 12.000,00, R$ 15.000,00 ou mais de R$ 20.000,00, havendo,
pois, defasagem absurda entre esses regimes de aposentadoria, que alguns querem
uniformizar, mas, para baixo, já que necessário sobrar recursos para as
mordomias oficiais, os palácios luxuosos, as viagens, nacionais e
internacionais, constantes e caríssimas, a maioria delas, notadamente de
congressistas, meras (não inúteis, mas, nocivas) vilegiaturas turísticas,
enquanto o povo aufere o mínimo (e é o mínimo mesmo) e rala nos ônibus
precários e nos metrôs e trens suburbanos superlotados das grandes cidades.
Por isso e por muito mais, o
Brasil necessita ser passado a limpo, reorganizado de cima a baixo, para que
suas instituições públicas (e as privadas também) passem efetivamente a
contribuir para o progresso e bem-estar dos brasileiros e não sejam entraves à
boa administração e ao desenvolvimento do país, como o é o caótico sistema
político organizado, dirigido e mantido por grandes conglomerados empresariais,
diretamente ou por meio de representantes.
Por fim, é de se observar e
atentar que a causa maior, se não a única, de toda a precariedade (e ponha
precariedade nisso) das instituições públicas e privadas brasileiras decorre,
fundamental e principalmente, da permanente abstenção da sociedade, de sua não
participação, de sua carência de espírito crítico, combativo, organizacional e,
em decorrência, de sua falta de exigência, de seu alheamento, descaso,
comodismo e abulia.
Por isso, alvíssaras para as
manifestações. Mas que não se fique só nelas e que tenham, sempre, espírito
crítico e combativo, mas, construtivo, escoimados das manifestações, os
recalques, as invejas e as abomináveis unilateralidades ideológicas, sempre
obnubiladoras da mente e limitadoras do raciocínio e da percepção da realidade.
Segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Guido
Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, foi candidato ao Senado Federal e
editor da revista internacional de poesia Dimensão, de 1980 a 2000, sendo autor
de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.