domingo, 2 de julho de 2017

CATEDRAL METROPOLITANA DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS (1827)

Acervo Cúria Metropolitana

Os dicionários costumam atribuir à palavra ermida como referente a uma capela rústica construída em lugar ermo, isto é, longínquo ou de difícil acesso. A primeira capelinha construída em Uberaba sob o cuidado de Santo Antônio e São Sebastião se situava próxima ao córrego Lajeado em 1812 e ali permaneceu ate 1818 quando a população decidiu transferi-la para antiga Praça Frei Eugênio por ser mais conveniente e mais próximo do núcleo de povoação daquela região nascente ainda tão desprovida de recursos no coração sertanejo do Brasil central. Antes de prosseguirmos, penso ser conivente refletirmos sobre a escolha pelas pessoas daquela época de Santo Antônio e São Sebastião como padroeiros da primeira ermida uberabense. Longe de ser uma escolha aleatória, ela reflete o projeto  civilizacional em que marcava o  espírito daquela época. Enquanto Santo Antônio, santo português e padroeiro de Lisboa, demonstrava o forte vinculo com a metrópole num período em que o Brasil ainda era colônia portuguesa, São Sebastião, Santo Romano e padroeiro dos soldados, simbolizava a força militar com a qual seria realizada a conquista do sertão Brasileiro. O sargento-mor Antônio Eustáquio que recebeu provisões para desbravar e colonizar essa região foi agente de grande etnocídio contra as populações indígenas aqui previamente estabelecidas, sobretudo da etnia caiapó, hoje com poucos membros e bem longe do Triângulo. A escolha de Santo Antônio e São Sebastião simboliza, assim, a cruz e a espada, usava na conquista e conversão do Brasil como nação católica e portuguesa. Se hoje nossos valores nos fazem enxergar isso de forma crítica, e bem o fazemos, ao ponto do Papa João Paulo ll por diversas  ocasiões pedir perdão publicamente daquilo que ele dizia serem os pecados da Igreja  ao longo dos séculos precisamos tomar o cuidado para não sermos  anacrônicos. É cômodo julgar personagens distantes de nos por mais de séculos; difícil, todavia, é compreender que provavelmente o faziam para por ignorar as modernas teorias relativismo cultural e ecumenismo e que foram motivados por uma convicção autentica de que estavam por fundar uma terra cristã e civilizada neste agreste sertão e nos mais louváveis valores cristãos.


Foto: Antônio Carlos Prata

A matriz onde hoje se localiza nossa catedral teve o inicio de sua construção  em 1827 (o Brasil já havia se tornado independente) por intermédio de Vigário Silva mas seria apenas em 1854 que seriam realizados ali os primeiros ofícios religiosos. Esses 17 anos de construção de um templo de um templo razoável modesto mostra-nos a precariedade econômica da população local nas primeiras décadas do século XIX. Enquanto a região nordeste ainda se mantinha com a produção e exportação e açúcar, a região central de Minas havia se convertido em grande polo econômico por conta do ouro e convertido a própria cidade do Rio de Janeiro em capital pela proximidade de ambas, São Paulo havia se caracterizado pelas atividades bandeirantes e a região sul pele produção de charque, Uberaba ainda de definia uma economia em parte agrícola marcada pela produção de arroz (vide os ramos de arroz ate hoje presentes em nosso brasão municipal) e em parte comercial por conta do pronto estratégico que nos situamos no Brasil Central, entre três importantes regiões: Minas, São Paulo, Goiás. Destaco também a participação do escravo afro-brasileiro Manoel Ferreira oferecido pelo sargento-mor Eustáquio para contribuir na construção da nova matriz. Não nos esqueçamos de que este país foi literalmente edificado por braços negros, aos quais somos tão devedores, e que nossa igreja matriz não foi diferente. Em 1857 graças a Frei Eugênio a igreja foi dotada de uma grande sacristia, um adro e recebeu paramentos e alfaias. Em 1868 cada uma das duas torres recebeu um sino de cerca de trinta e cinco arrobas cada que permanecem na catedral até hoje. Interessante notar que com o avançar do século e o consequente enriquecimento material da população uberabense, própria igreja se torna espelho dessa prosperidade por esta sempre em estado de reforma e sempre recebendo melhoramentos.
Foto: Antônio Carlos Prata
     No final do século XIX teremos o início de um período de grande prosperidade para as elites uberabenses com advento da criação do gado de raça zebuína buscado na Índia. No começo do século XX, já sobe o regime republicano, e inspirado pelas reformas modernizantes e arquitetônicas baseadas na Europa (o Rio de Janeiro abriu suas primeiras grande avenidas e Manaus construiu se Teatro Municipal)os uberabenses receberam sua energia elétrica em 1904 e varias reformas urbanas, como na praça Rui Barbosa. Esse rápido avanço conquistado com os capitais excedentes da pecuária zebuína e com a vinda da Companhia Ferroviária Mojiana atraiu para a cidade o bispo de Goiás, D.Eduardo Duarte Silva que acabou por se tornar o primeiro bispo da Diocese de Uberaba, criada em 1907 pela bula Goyaz Adamantina Brasiliana República pelo Papa PioX .

Por determinação desta bula o padroeiro da diocese seria o Sagrado Coração  de Jesus e  D.Eduardo inaugurou deste modo a igreja do  Sagrado Coração – atual igreja da Adoração Perpétua ao lado do Palácio Episcopal (Cúria Metropolitana ) – com a prerrogativa de catedral permanecendo a igreja da praça Rui Barbosa como matriz de Santo Antônio  e São Sebastião.

       Em 1910 a matriz passou por grande reforma em que se definiu o estilo arquitetônico  gótico manuelino  e que seria dotada de apenas uma grande torre como até hoje se encontra desde esta data.Finalmente,em1926 por determinação do bispo Luís Maria de Sant’Ana decreto da Sagrada Congregação  Consistorial a catedral   seria transladada para a matriz de Santo Antônio e São Sebastião a à Praça Rui Barbosa e os padroeiros  seriam invertidos, permanecendo assim, em definitivo, como  Catedral Metropolitana do Sagrada Coração de Jesus a partir de 20 de maio de 1926.Ainda assim, de modo a manter viva a memória de mais de cem  anos que Uberaba permaneceu sob a proteção  de Santo  Antônio e São Sebastião, decidiu-se que uma estátua de cada santo ladearia a catedral metropolitana, imagens que permanecem até hoje em local de visibilidade e veneração.

Vitor Lacerda