O quadro é da pintora angolana Filipa Simão. |
Rua Artur Machado, fotografada do 5º quarteirão no sentido do centro da cidade.
Foto em filme diapositivo colorido, feita por Edison Reis Lopes, na manhã do dia 28 de julho de 1971, uma quarta-feira. Devia ser bem cedo, as portas dos comércios ainda estão baixadas. (Andre Borges Lopes).
Fachada da Super Loja - Foto do acervo de Uberaba em Fotos.
Em
frente à Casa das Máquinas, tinha uma farmácia cujo o gerente era o Zequinha.
De dia bom farmacêutico, à noite, solteiro, um bom seresteiro. A seguir a Casas
do Babá, material de construção, resolvia na casa qualquer problemão. Perto
dali os Grisi, italianada danada. Pais e filhos falavam tão alto que parecia
até “brigaiada”.
Casa
Daló em frente. Gerente, o Hélio. Educado, inteligente, competente, fala mansa,
cativava a gente. A auxiliá-lo os irmãos Dininho e Luiz não eram diferentes. O
pintor Élvio Fantato, artista de proa, tinha loja bem pertinho. Para agradar o
freguês, sempre dava um jeitinho. Na esquina da ladeira, a loja do Emilio
Pucci, bonita, moderna, vitrinada e requintada. Artigos masculinos de primeira,
sucesso na cidade inteira. Ali, quase “pegado”, saudade do Alfredo Antônio,
barbeiro do salão do João Spiridião, onde fofoca política era de montão.
Um
pouco à frente, sobrado bem cuidado: era a Pensão da Tia Lêda. Portas sempre
abertas e alertas recebia a “homaiada” a transar com as lindas, loiras e
morenas robustas, alegres prostitutas sem barulho nem algazarra, tinha de tudo,
menos farra. Embaixo, a joalheria do Walter Gaia, delicado, dedicado, que só
vendo e nunca se “escondendo”... Do lado esquerdo de quem vai, guardava os
transformadores da Cia. Força e Luz, que a verve popular cantarolava: ”Cidade
que seduz, de dia falta água, de noite falta luz”. Antes, a loja do Cantidio
Bertoldi, caça e pesca, alegria pra quem gosta de pescaria.
Na
esquina da Padre Zeferino, a loja do Neyf Fakouri tem mais de quarenta anos.
Sempre à porta, alegre e bonachão, esparrama mercadoria até pelo chão. Lado de
baixo, o Salão do Nazaré. Barbeiro que todo mundo botava fé. Lado de cima, a
farmácia do Ferreirinha e a lembrança eterna do Brasilino Felipe, botafoguense
e homem de fina estirpe. Na sequência veio a benevolência. Poucas lojas
abertas, o nó nos grogumilo, saudade, eis na porta a casa a Maria Augusta,
prostíbulo conhecido, afamado e respeitado. Educada e justa, recebia bem a
moçada com a “grana curta”.
A
Padaria Espéria, prédio imponente, abrigou panificadora florescente, anos mais
tarde (a crise?) tornou-se impotente, decadente. Ao lado, uma portinha decente
recebia o Garcia, técnico de rádio. Como a Conceição, sumiu, ninguém sabe
ninguém mais o viu... O Bazar Azul começou de um lado e depois mudou-se para o
outro. Geração Santos Anjo ainda domina. Avô passou para os filhos, esses ao
neto que mantém acesa a dignidade da sina.
Já
a Pensão da Dona Ema acabou. Que pena! A frondosa Gameleira foi ao chão. Durou,
durou. Judiada, maltratada não resistiu. Sem forças, alquebrada, sucumbiu.
Morta e sepultada. Para os jovens não quer dizer nada. Para os velhos, uma
saudade danada... Na subida da Mojiana, lado direito, apenas escombros e tombos
da velha máquina de arroz dos Castejon... haja “corazon”. Nada resta mais. O
“terrenão” é da Diva de Moraes.
À
esquerda , quase chegando no topo do morro, o armazém do João Corrêa, sortido até
a tampa. Mantimento não faltava nenhum. Afinal, ao lado morava o saudoso Moisés
Sallum. Encostado, ainda resiste e perdura o imponente “chatô” do cônsul
italiano Augusto Buchianeri, que jurava não ter parentesco com a Ana Neri...
Falta
muita coisa ainda. Essa lembrança não se finda. O cansaço me dominou. As
lágrimas começam a escorrer por esse rosto cujas rugas fizeram avenidas de
saudade. Tento resistir. Consigo. Se me permitirem, amanhã, recomeço na praça
Rui Barbosa, com muita lembrança e prosa. Rua comprida. Por ora, missão não
ainda cumprida. Prometo terminar amanhã. Luiz Gonzaga de Oliveira