Maria
Fumaça - Foto de 1910
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Para
alguns, o ruidoso ritmo do trem de ferro é música que preenche o dia ou
acalanta o sono noturno. Poesia à parte, no século XIX, constituir uma malha
ferroviária era um acontecimento atopetado de disputas e conflitos pelo mais
eficiente e mais lucrativo traçado.
Filha
de cafezais e burburinhos acalorados, a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro
(1888), nasceu, nos arredores de Campinas (SP), em ambiente nada pacato. Os
homens do café se altercavam para garantir que o caminho de ferro alcançasse
suas propriedades: isso diminuiria custos com transportes e valorizaria
terrenos. Instalados os carris, a temperatura das negociações de compra e venda
de terras se elevou e novas áreas dispostas a fazerem vingar as sementes da
aromática bebida seduziram migrantes e imigrantes em busca de trabalho.
Logo,
logo a Companhia ganhou singela alcunha de estrada “cata-café” e estendeu sua
longilínea e sinuosa figura, esmerando-se em garantir seu raio de controle e em
canalizar a produção cafeeira para suas estações, espalhadas em vários pequenos
ramais. A partir de Campinas serpenteava até Mogi-Mirim (1875), alcançava Casa
Branca (1878), Ribeirão Preto (1883), Batatais (1886) e Franca (1887).
Nos
anos seguintes, dois mil quilômetros de linhas serviam São Paulo e Minas
Gerais, cortando o Triângulo Mineiro. Nesse caminho de aroeira e aço,
curiosamente, o sexagenário município de Sacramento, apesar de esbanjar talento
no cultivo e na exportação do café, barrava a chegada dos trilhos com sua
geografia. Na Serra do Cipó triangulina, a estrada de ferro se desviou para a
esquerda, estabelecendo distância de 14 km entre ela e a cidade que,
considerada grande produtora agrícola, foi remediada com uma estrada para
carros de boi. Eram três dias orientando as parelhas para vencer os 14 km,
contra um que o trem levava para chegar a São Paulo e três horas para aportar
em Uberaba.
Uberaba,
apesar de desprovida das brancas flores dos cafezais, não só foi agraciada com
a chegada da linha, como ocupou, por sete anos, o glamouroso posto de ponta dos
trilhos. Muita energia foi gasta para que a Princesinha do Sertão desfrutasse
desse privilégio, mas ardorosas relações comerciais com centros mais poderosos
e uma posição privilegiada no mapa justificaram a extensão da linha e o
mergulho em magnífica fase de prosperidade recompensou o esforço. No dia 10 de
março de 1889, a máquina Cel Quirino, avançando tímida pela ferrovia, apitou no
meio da tarde uberabense e, carregada de operários, foi recebida sob aplausos e
hinos.
Nas
viagens seguintes, de estação em estação e na algazarra da novidade, o
fuliginoso caminho incluía anciãos dos vários vilarejos que saíam de suas casas
para ver o trem passar, com surpresa nos olhos, ainda que fosse a mesma
máquina, no horário de sempre, e a conversa entre o apito do encarregado da
estação e a buzina da locomotiva, marcando o momento de todos ocuparem os bancos
de primeira ou de segunda classe, porém sabendo que, conforme o coronel a
embarcar, a geringonça não partiria sem a sua presença. Em diferentes épocas e
com suas singulares histórias e traquinagens, os passageiros caminhavam pelos
vagões, avançavam as caras pelas janelas para ver o rastro branco da fumaça, as
cidades se aproximando, mulheres negociando seus quitutes, nas paradas, ou o
lendário gavião que, em estreita amizade com garçons do vagão-restaurante, em
horário e lugar instintivamente conhecidos ganhava carne fresca.
Nos
seus primeiros 50 anos, a Companhia Mogyana de Estradas de Ferro e Navegação
expandiu suas linhas, mas, na segunda metade de sua vida, internou-se em crise
finaceira, foi incorporada à Ferrovia Paulista SA (FEPASA), na década de 1970,
e, vinte anos mais tarde, deixou como única opção aos passageiros, o adeus às
pitorescas viagens. A linha, mesmo criada para servir a interesses cefeeiros,
abriu caminhos vitais ao futuro e emprenhou nossa cidade de gente astuta e
corajosa que plantou, por aqui, mudas de frondosas árvores genealógicas.
Inúmeros
caminhos cortaram rios, campos e vilas, para que a ferrovia carregasse
mercadorias, gente e histórias, mas o tempo, impiedoso e irreversível, subtraiu
das pequenas estações a emoção de encontros e despedidas, deixando-as para trás
na geografia e no tempo. Na solidão de cada uma e nas lembranças de quem ficou
ao redor, a certeza de novas narrativas, quem sabe registradas na próxima
crônica…