sexta-feira, 23 de junho de 2017

A criação da Diocese de Uberaba

Foto: Arquivo Público Mineiro/Anos: 1859 a 1889            
 Foram várias as dificuldades na criação da Diocese de Uberaba. Naquela época em que a viagem de navio durava vinte dias, Dom Eduardo foi quatro vezes à Europa. Uma para estudar; outra quando nomeado bispo de Goiás e na terceira para conseguir missionários para sua Diocese. Na quarta vez, por tratar da saúde, abalada por neurastenia, na França, o fato lhe deu a oportunidade de contratar Irmãos Maristas para o Colégio de Uberaba, e trazer consigo Redentoristas alemães.


Um detalhe: de passagem por Lisboa, Dom Eduardo foi preso por portar dois pacotes de rapé, espécie de tabaco em pó para inalar, cujo consumo era bastante comum no Brasil até o início do Século XX, mas explicou-se e foi solto. Ele já tinha sido preso por indígenas, por ocasião de uma visita pastoral aos selvagens Javés, em Goiás (Autobiografia, Goiânia, 2007, pag. 154).

Dom Eduardo foi eleito Bispo de Goiás pela Bula de 22 de janeiro de 1890. Em 08 de fevereiro de 1890, em Roma, foi sagrado Bispo pelos cardeais Parochi e Rampola del Tindaro — este, Secretário de Estado do Papa Leão XIII — que, por sua vez, atuava como protetor de Dom Eduardo em Roma e praticamente o absoluto coordenador de tudo o que se referiu à criação da Diocese de Uberaba.

Por que uma nova Diocese no interior do Brasil?

A Diocese de Uberaba foi criada como forte sinal de reparação ao ultraje republicano que prejudicou a Diocese de Goiás e humilhou seu Bispo Diocesano. Interpretando bem o Apocalipse, a Igreja reconheceu Dom Eduardo como perseguido e o reconduziu à condição do justo vencedor perante a Justiça Eterna. Não foi só uma revanche, foi uma atitude de fé em Cristo Nosso Senhor, Cabeça da Igreja, o Divino Criador e Eterno Estabilizador de sua Igreja.

Dom Eduardo foi um herói; mesmo já tendo missionários e missionárias da Ordem Dominicana, muitas paróquias em Goiás e no Triângulo Mineiro estavam acéfalas e providas unicamente de padres idosos. Ele, então, procurou na Europa congregações religiosas que o ajudassem na evangelização. Com auxílio do Cardeal Rampola, conseguiu os Irmãos Maristas franceses e os Redentoristas alemães.

Certa feita, Dom Eduardo, a contragosto, mas por determinação do Cardeal Rampola, cedeu dois Redentoristas para o Santuário de Aparecida/SP, e  teve de contar somente com os Redentoristas de Barro Preto (hoje Trindade/GO) para cuidar da Devoção do Divino Pai Eterno. Na viagem até Goiás, os padres alemães só podiam conversar com Dom Eduardo em latim. Já em Uberlândia, Padre Speelt e Dom Eduardo foram homenageados com as danças do Congado Moçambique. Ao fim da apresentação, Dom Eduardo perguntou a Padre Speelt:

- Qui tibi videtur? (Que tal te parece?)

- Admirabilia. (Admirável folclore).

A vinda de Dom Eduardo para Uberaba

Em razão da perseguição religiosa republicana, Dom Eduardo resolveu sair de Goiás e vir para Uberaba, onde chegou em 10 de agosto de 1896 e foi recebido  festivamente com discursos, banda de música e desfiles, após desconfortável viagem em lombo de burro, com seminaristas, cabido diocesano, livros, biblioteca, paramentos e arquivos.

Daqui, Dom Eduardo visitava sempre as paróquias de Goiás e do Triângulo Mineiro. Em 1907, no povoado de Água Suja (hoje Romaria-MG), ele elevou a humilde capela a Santuário Episcopal de Nossa Senhora da Abadia de Água Suja — hoje frequentado por milhares de romeiros —, entre julho e agosto.

Em homenagem à cidade que o acolheu tão bem, Dom Eduardo conseguiu do Cardeal Rampola a promessa da criação da Diocese de Uberaba, desmembrando-a da Diocese de Goiás, sob duas condições: conseguir um grande patrimônio destinado a garantir a subsistência diocesana e a construção de uma nova igreja de cimento armado, que seria alçada ao status de Catedral.

O cimento armado já tinha sido introduzido em Uberaba por construtores italianos, em 1900, na restauração das duas atuais torres da Matriz, na Praça Rui Barbosa. A exigência do cimento armado foi para que não se reproduzissem as péssimas condições de conservação da antiga Matriz, vetada por Roma para ser a futura Catedral e que era praticamente um pardieiro de ripas despencando do telhado em um simplório salão de paredes de pau a pique. Por isso, a primeira Catedral de Uberaba não seguiu a regra geral de todas as outras novas Dioceses brasileiras, que sempre escolhem a Igreja Matriz no centro da cidade para ser Catedral.

Uberaba tem o dia 02 de março como festiva data municipal em memória à criação da Paróquia, em 1820, por ato do Rei de Portugal (e não por ato de um Bispo) Até a instituição dos atuais cartórios civis (republicanos), todo pároco era praticamente um funcionário de cartório a serviço do Império, que usava os registros paroquiais como listagem de possíveis contribuintes de impostos. Durante o Império, todos os bispos e párocos recebiam vencimentos, as “côngruas”. O livro paroquial tinha três colunas: batismo, casamento e óbito.

As côngruas estavam atrasadas. Assim, Dom Eduardo as requereu e empregou sua verba na construção de sua Catedral e do Palácio Episcopal, reforçando as generosas ofertas das paróquias.

Enfim, a diocese de Uberaba

Pronta a Catedral e garantido o patrimônio diocesano, com terrenos no Alto das Mercês a partir do Largo Cuiabá (hoje Praça Dom Eduardo), em 29 de setembro de 1907, pela Bula Goyaz Diamantina Brasiliana Respublica, do Papa São Pio X, foi criada a Diocese do Sagrado Coração de Jesus, desmembrada das Dioceses de Goiás e Diamantina, sufragânea da Arquidiocese de Mariana.

A posse de Dom Eduardo na Diocese de Uberaba foi complicada, em razão do extravio do “Breve” Apostólico Apostolatus Officium, de 8 de novembro de 1907, que o desligava de Goiás e o nomeava Bispo de Uberaba – tudo isso porque, naquele tempo, a comunicação postal com Goiás era impossível em época de enchentes de rios. A correspondência de Roma se extraviou porque endereçada a Goiás, e não a Uberaba, onde morava Dom Eduardo. Assim, a posse dele ocorreu somente em 24 de maio de 1908 (oito meses após sua nomeação).

Quase três anos antes da criação da Diocese, a Catedral já estava pronta; foi terminada com festa na colocação da última telha, com direito a rojões e cervejada, em 30 de setembro de 1905. Tempos depois, já bem ornamentada para o Culto Divino, foi inaugurada como Catedral, em Missa Solene realizada em 27 de janeiro de 1907.

Em 17 de outubro de 1908, Dom Eduardo assinou o Decreto de instalação do Curato da Sé (transferido para a Praça Rui Barbosa no ano de 1926), com licença papal para a recíproca transferência entre os respectivos padroeiros da Igreja das Mercês e a Igreja da Praça Rui Barbosa – esta, a partir de 1926 até hoje, nossa Catedral no centro da cidade de Uberaba.

Dois fatos históricos em 1923: em 7 de março de 1923, Dom Eduardo renunciou à Diocese de Uberaba e se retirou para o Rio de Janeiro, para tratamento de saúde. Já em 6 de abril de 1923, foi nomeado Bispo de Uberaba Dom José Tupinambá da Frota (Bispo de Sobral/CE desde 1916).

Outros dois fatos históricos em 1924: em 1º de fevereiro de 1924, a Diocese de Uberaba foi desligada da Arquidiocese de Mariana e adida à Arquidiocese de Belo Horizonte. Por seu turno, em 04 de junho de 1924 foi tornada sem efeito a nomeação de Dom José Tupinambá da Frota para Uberaba, proclamando-se a nomeação do padre diretor do Colégio Salesiano de Bagé/RS, Dom Antônio de Almeida Lustosa. Ele recebeu a sagração episcopal em 11 de fevereiro de 1925, com posse na Diocese de Uberaba, em 1º de março de 1925.

Carlos Pedroso - Historiador