segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

COMUNISTA DE JESUS

Vítor Martins


Calor de 40 graus em Uberaba! Subia a avenida com um andar meio cambaleante. Pinga não era…. eu tinha certeza. O andar dos bêbados é diferente. Era cansaço mesmo. Me aparentava estar entre 85 e 90 anos. Levava uma sacola plástica nas mãos. Liguei o “pisca-alerta” e atrapalhei um pouco o tráfego. Cheguei-me a ele : – O senhor está indo para onde? Quer uma carona?
– Olha eu posso aceitar… mas quem é o senhor? Falei meu nome, apertei a mão dele e insisti na carona.
– Você pode me levar… mas leva só até perto da minha nora. Eu moro lá. Mas se parar carro me levando ela pode se assustar…
Entendi a preocupação do idoso. Uma delicadeza com a nora. Instalei-o no carro e ajeitei o cinto de segurança. – Vamos?
E lá fomos para o endereço que me indicou. Fiquei pensando se eu mesmo tivesse que cumprir aquele trajeto, a pé, mal me sustentando nas pernas… Creio que eu desistiria.
– O senhor tem filhos?
– Tenho. Mas não quero falar dele.
Respeitei, naturalmente. Mudei o panorama da conversa: – Qual era sua profissão ?
– Eu era militante comunista. (!) E prosseguiu:
– Fui preso com o Prestes, fui preso com a Dilma… mas eu fiquei meio decepcionado com o comunismo depois. As loucuras do Stalin acabaram com o Partido!
Dei uma velocidade menor no veículo. A conversa estava me interessando.
– Mas, o senhor participou ativamente da política?
– Já sim. Fui candidato a prefeito de Uberaba… Faz muitos anos… Na época o Lula me convenceu. O PT era uma partido inexpressivo aqui… como é até hoje! Mesmo assim fui candidato. Foi pela causa… pelo socialismo!
Fiquei intrigado. Fui dando corda ao ancião. Fui ouvindo coisas que conheço apenas de leitura. Pessoas que sei apenas pela História. Falou-me de Lênin, de Trotsky, da invasão de Varsóvia, do Paralelo 38…
Depois perguntei-lhe de quem ele era amigo aqui em Uberaba. Contou-me como foi libertado de algumas prisões políticas pelo advogado Helvecio Moreira de Almeida; falou-me da mãe do Calixto Rosa, sua companheira de prisão; do Afrânio Azevedo…
Sua memória, privilegiada, registrou com perfeição frases do antigo Cavaleiro da Esperança; lembrou-se de Francisco Julião, de Miguel Arraes, de Leonel Brizola…
Lembrou-se de quando, por perseguição política, foi internado em um hospício, no Rio de Janeiro e falou os nomes de muitas pessoas “graúdas e sonhadoras como eu”, que foram suas companheiras de internato.
– Mas hoje, tudo isso passou. Fixei-me apenas na militância para o Líder Maior. Esse é o que vai consertar o Brasil, é o que vai acabar com a pobreza, que vai distribuir fartura para todos, que trará a felicidade para nosso país.
Xi…. pensei. Meu novo amigo é um ferrenho defensor do Lula!
– Mas o senhor não está escandalizado com essas denúncias de corrupção?
– Corrupção sempre houve, amigo! Começou lá atrás, quando uma cobra ofereceu uma maçã para um ser humano se corromper…
– Mas o líder que o senhor escolheu está rico, a família dele hoje é poderosa!
Olhou-me de forma estranha.
– Rico? Meu líder? Não…. é o mais pobre entre os pobres; é o maior socialista entre os socialistas e o maior pregador do comunismo que este mundo já viu!
– Ué, então não estamos falando do Lula?
– Lula? Não !!!!! Esse é um vigarista! Meu maior líder se chama Jesus Cristo!
Chegamos ao ponto indicado. Lá no bairro de Lourdes.
– Posso tirar uma foto do senhor?
– Pode, claro!
– Como é mesmo o seu nome?
– Vítor Martins!
– Prazer senhor Vítor! Vai com Deus…

22 de outubro de 2015

Tharsis Bastos Barros